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Receitas fáceis

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Fico meio enjoado quando leio sugestões de receitas fáceis, indicando que qualquer um pode executá-las. Basta ter ingredientes, um fogão meia-boca com forno, pouco ou nenhum trato com culinária, capacidade de selecionar as medidas certas e muita, muita boa vontade.

 Dirão que não é assim, afinal receitas fáceis destinam-se a quem está habituado com a cozinha. Então o melhor é colocar advertências acompanhando essas receitas, avisando a homens que vivem sós e não têm trato familiar com panelas e fogões para que não tentem executar as fórmulas recomendadas.

A vida é imprevisível. Relações aparentemente sólidas desfazem-se de repente, assim como certos doces simplesmente desandam. Mesmo as pessoas mais experientes podem deixar passar do ponto um doce-de-leite ou um simples chantili. Aquele doce de banana que a minha avó fazia era uma delícia só dela, feito pelas mãos dela. Ela sabia, com incrível precisão, o momento de tirar o doce do fogo com isso emprestando a ele um sabor raro e inconfundível. Pois as relações entre pessoas também são assim, de uma hora para outra passam do ponto e eis um homem de quarenta anos ou mais restituído ao mundo, tendo que dar conta de suas próprias roupas e, pior, de sua alimentação.

A legião de homens que está passando ou já passou por isso conhece muito bem o caminho. No começo a coisa se resolve com comida de restaurantes até que isso cansa e, na falta de quem cozinhe, o cidadão decide vencer o grande obstáculo e cozinhar. É bom que se diga logo: talentos desconhecidos se revelam desse modo. Entretanto, na grande maioria dos casos, o que se tem é um inevitável desastre que começa com aquelas comidas semiprontas as quais, como está escrito na embalagem, basta colocar no micro-ondas.  O resultado é uma comida insossa que dá para ir levando por uns dias até que enjoa. É nesse momento que o pobre sujeito decide apelar para as tais receitas fáceis e, aí sim, o inferno começa. Raramente a coisa dá certo e ponto final: não são necessárias maiores explicações sobre as tragédias culinárias que passam a ocorrer.

Escrevo essas linhas porque nesse exato momento um amigo está nessa situação. Vindo de casamento que julgava estável, pai de dois filhos, acomodado, eis que a surpresa do desgaste de sua relação com a esposa – desgaste que ele recusou-se a perceber, diga-se – abateu-o. Seguiu-se a rotina que termina e começa ao sair de casa, a nova vida num flat que se julga transitório, as noites imprecisas nas quais não se sabe bem o que fazer nem para onde ir, a procura dos velhos amigos com que se perdeu contato, a busca de uma situação que devolva a vida aos eixos de sempre.

Dias trás o meu amigo me procurou e falou-me longamente sobre as mazelas do seu dia-a-dia. Naturalmente os assuntos foram a mulher dele a quem diz amar muito, o ciúme e medo de que ela tenha alguém, enfim os comemorativos tão bem conhecidos e dolorosos que acompanham situações como a dele. Depois a conversa derivou para coisas práticas e descambou para o tema das refeições, dizendo-me ele que não aguenta mais os restaurantes etc. Foi nesse ponto que declarou sua pretensão de aprender a cozinhar, dizendo que existem receitas fáceis e por aí foi.

Pelo que sei o meu amigo nunca tentou fritar um só ovo e a cozinha é para ele departamento tão complexo quanto a central de cálculos para a construção de espaçonaves da NASA. Entretanto, não tentei demovê-lo de sua intenção, quem já esteve no lugar dele sabe que há que se tentar de tudo, afinal a vida continua, as madrugadas são imensas, a dor maior ainda, mas há vida pela frente. Também não disse a ele, mas o tempo cura tudo e não há de se passar muito para que ele me telefone, contando sobre essa namorada fantástica com quem ele está saindo, gente finíssima, bonita pra caramba e que até sabe cozinhar.

Não há o que tirar nem por na história do meu amigo, afinal essa é a receita da vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 junho, 2011 às 9:21 am

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