Ainda e sempre Cuba
O câncer de Hugo Chávez abre perspectivas econômicas a Cuba, segundo se noticia. Explica-se que caso Chávez viesse a morrer a ajuda econômica da Venezuela a Cuba cessaria e os cubanos teriam que abrir as portas para o comércio internacional, fazendo negócios mesmo com países que professam ideologias diferentes. Recorde-se que em 2010 a ajuda venezuelana representou cerca de 3% do PIB da ilha.
Aos que admiram Cuba nunca importou muito que a revolução de Fidel Castro contra o regime de Fulgêncio Batista tivesse descambado para o isolamento do país, ditado pelo bloqueio econômico imposto pelos EUA. O alinhamento de Cuba com a Rússia e a ideologia professada pelos irmãos Castro e seus seguidores foi mais que suficiente para seduzir esquerdistas em todo o mundo. Assim, Cuba converteu-se num símbolo de resistência política e ideológica contra o imperialismo norte-americano ainda que isso representasse grande soma de sacrifícios à sua população. Atrás do símbolo erigiram-se heróis, destacando-se a figura de Che Guevara, ainda hoje exemplo de rebelde que levou o estranhamento com o imperialismo às últimas consequências.
Por outro lado as críticas ao regime cubano avolumaram-se ao longo dos anos, destacando-se o atraso do país, a ditadura de Castro, a falta de liberdade e as condições de vida na ilha. Entretanto, tais críticas não se mostraram suficientes para abalar a opinião de grande parte dos simpatizantes do regime cubano. Mesmo entre nós, graças à polarização ideológica nem sempre superada, o assunto ainda desperta discussões acaloradas. Cuba permanece como símbolo de resistência e ponto final.
Nem sempre foi fácil entender a posição dos que simpatizam com Cuba, devendo-se reconhecer o exaustivo trabalho da propaganda contrária ao regime, sempre incapaz de citar qualquer vantagem ligada ao isolamento do país. É nesse sentido que vale a pena ler um texto do escritor argentino Julio Cortázar no qual ele esclarece a sua posição em relação à Cuba e ao imperialismo norte-americano. O texto é de 1969 e busca responder a perguntas formuladas pela Revista Life. Cortázar desde logo avisa que desconfia de publicações norte-americanas, como a própria Life, dado que elas, consciente ou inconscientemente, estão a serviço do imperialismo norte-americano. Segundo ele o capitalismo norte-americano se serve dessas publicações para os seus fins últimos entre outros o de colonização da América Latina. Diz:
“Hoje sabemos que a CIA pagou revistas que falavam muito mal da CIA, um pouco como a Igreja Católica tem sempre um setor avançado que se arremete contra encíclicas e concílios”.
Cortázar declara que seu ideal de socialismo não passa por Moscou, mas nasce com Marx para projetar-se na realidade revolucionária latino-americana, “realidade esta com características próprias, com ideologias e realizações condicionadas por nossas idiossincrasias e necessidades, que hoje se expressa historicamente em fatos tais como a Revolução Cubana, a guerra de guerrilhas em diversos países do continente e figuras de homens como Fidel castro e Che Guevara”. A seguir Cortázar expõe sua visão crítica sobre o socialismo latino-americano e diz rechaçar o prolongamento, em longo prazo, de estruturas revolucionárias.:
“Meu humanismo é socialista…; se não aceito a alienação que o capitalismo exige para atingir os seus fins, muito menos aceito a alienação derivada da obediência a aparatos burocráticos de sistemas revolucionários”.
O artigo de Cortázar faz parte de publicação recente cujo título é Papeles Inesperados, publicado em espanhol pela Alfaguara. Existe uma edição em português, Papéis Inesperados, publicada pela Civilização Brasileira. Dado ao ano em que foi escrito – 1969 – o texto não avança sobre o prolongamento da Revolução Cubana, justamente um dos pontos combatidos por Cortázar em relação a processos revolucionários. Mas, o texto do escritor argentino estabelece, com precisão, as razões pelas quais a simpatia como regime cubano ganhou tantos adeptos ao longo dos anos. Ao humanismo socialista e mesmo posições mais extremistas agregou-se a aversão à inquestionável supremacia norte-americana sobre o continente latino-americano, despertando justas reações contra o imperialismo praticado por aquele país.