O ministro e a verdade at Blog Ayrton Marcondes

O ministro e a verdade

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Há tempos assisti a um filme no qual no qual uma criança é sequestrada e morta. Não vou dizer o nome do filme para não estragar o prazer de possíveis cinéfilos que venham a assisti-lo. Quando a criança desaparece um detetive é contratado para encontrá-la. Como sempre acontece nesses casos a relação entre o detetive e a polícia é sofrível. No final o detetive descobre tudo sobre o sequestro e seu dilema é contar ou não a verdade. Revelar o que descobriu vai afetar a vida e a felicidade de muita gente, além do que ele estará condenado a ficar sozinho. No fim o detetive opta pela verdade ainda que isso represente prejuízo para as pessoas envolvidas. Para que se tenha ideia a própria mulher do detetive o deixa por não concordar com a sua atitude.

Espero não ter falado demais sobre o filme, comprometendo o suspense para pessoas que venham a assisti-lo.  Tenho um amigo, a quem não vejo há muito, que é um verdadeiro especialista em estragar filmes, dado que costuma relatar o enredo aos que o cercam. Ele adora cinema e simplesmente não consegue deixar de contar tudo. Por que o ouvimos? A desgraça é que o meu amigo é um bom contador de histórias. Ele fala sobre a trama dos filmes com tanta emoção e encanto que é como se estivéssemos no cinema vendo a fita passar na tela. A brincadeira que fazemos com ele é a de perguntar o preço do ingresso para pagá-lo, assim que termina o seu relato.

Lembrei-me do detetive do filme de suspense ao ler que o ministro Nelson Jobim declarou ter votado em José Serra nas últimas eleições. Sendo ele ministro do governo de Dilma Roussef é de se perguntar a quem interessaria a revelação de seu voto, justamente no candidato que concorria com a atual presidente na eleição passada. Afinal, vamos e convenhamos, o voto é secreto, que se saiba não existem câmeras nas urnas e ninguém está obrigado a declarar em quem votou. Somando-se a isso o fato de que entre a presidente e o ministro existe uma relação de confiança e, mais que isso, de identidade parece ao leigo meio despropositada e extemporânea a confissão de voto no candidato opositor.

Sendo esse assunto convite à mais que pura divagação não será fora de propósito imaginar  que Nelson Jobim talvez estivesse em crise de consciência relacionada a seu voto e o cargo que ocupa. Em assim sendo terá assumido, por necessidade, revelar algo de foro íntimo, tornando pública a sua anterior dissidência. A verdade é que ao votar em José Serra o ministro entendeu ser esse candidato melhor preparado para o cargo hoje ocupado pela atual presidente. Daí ser impossível passar ao largo do estranhamento entre o voto dado e revelado e a assunção do cargo com que o ministro foi honrado pela presidente.

O problema é que hoje em dia a confiabilidade no sacramento da confissão anda em crise. O mais fácil teria sido o ministro achar que cometera um pecado e confessá-lo. O padre entenderia afinal política é política. A pena seria a de rezar uma boa dezena de ave-marias e, depois disso, alma lavada e consciência tranquila, o ministro continuaria em seu cargo não se obrigando a revelação tão inusitada. Seria muito bom se tivesse sido assim, afinal competência não falta ao ministro.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 agosto, 2011 às 1:16 pm

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