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Todos às compras

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Detesto quando não consigo localizar alguma referência bibliográfica. Na verdade permaneço possesso até me lembrar de onde e quando topei com alguma coisa que desejo reencontrar.

Acontece muito com textos. Vez ou outra, ao escrever, lembro-me de algo relacionado ao assunto do momento, algo que alguém disse e seria interessante citar. O problema é localizar quem escreveu e em que livro se encontra. Isso me leva a ficar olhando para a estante, observando lombadas de livros, como se de repente fosse possível algum deles saltar na minha direção, gritando que é a ele, justamente, que procuro.

Acaba de acontecer em relação a um parágrafo sobre guias de compras da década de 20 do século passado. Li em algum lugar que naquela época as famílias recebiam catálogos europeus, a maioria vinda de Paris, e faziam compras a distância. As encomendas eram enviadas ao Brasil por via marítima e os interessados recebiam uma grande mala, em casa, com os produtos escolhidos e comprados. E era uma delícia quando aquilo tudo chegava, produtos vindos diretamente da Europa, vestidos e ternos de Paris, imagine.

Agora já me lembrei de que quem nos relatou essa preciosidade: foi o fantástico memorialista Pedro Nava. Mas, a minha memória falha quanto à citação do livro em que isso se encontra. Penso que talvez em “Bau de Ossos” porque, salvo engano, a descrição se refere à época em que o escritor, ainda rapazote, mudou-se para o Rio. Era na antiga capital federal que os navios carregados com novidades da Europa aportavam, trazendo delícias para as famílias de então. Entretanto não me fio muito nessa observação, feita de memória e à distância dos livros de Nava.

Esse assunto tem sua razão de ser porque vivemos outro grande momento no qual somos diariamente incitados às compras. Agora as coisas não demoram a chegar. Compra-se pela internet, em vezes, prestações geralmente baixas e teoricamente sem juros. Não bastassem os anúncios publicados na própria internet, sites de compras e tudo o mais, recebem-se em casa catálogos de produtos que podem ser comprados diretamente pela internet. Coloridos, bonitinhos, encantadores, os tais catálogos constituem-se em grande tentação para os consumistas. Chega-se à era em que deixa de valer a pena consertar coisas quebradas porque sempre há um novo que pode ser adquirido com grandes facilidades. Outro dia mesmo um liquidificador da minha casa, talvez cansado de triturar coisas, simplesmente recusou-se a funcionar. Cheguei a colocá-lo no carro para levá-lo ao conserto e acho que ele ainda está no porta-malas que não abro há algum tempo. Na verdade achei mais fácil pegar um daqueles catálogos e lá estava um liquidificador moderno e oferecido a preço módico, dividido em dez vezes. Não pensei muito e agora está em minha casa o novo e imponente triturador enquanto o outro, fiel servidor de anos, repousa na escuridão do porta-malas, esperando seu inevitável destino: o lixo.

A crise mundial atormenta governos e corre-se o risco de recessão. Imagino o que será de muita gente se isso vier mesmo a acontecer. A verdade é que, nos últimos tempos, os brasileiros foram às compras e endividaram-se. O problema é que várias prestações de valor baixo assumem montante alto quando somadas. Tem muita gente por aí com televisor de LED e não sei de quantas polegadas, satisfeita da vida, mas com dez ou mais prestações a pagar, isso para ficar num só produto.

 Quando tudo vai bem aposta-se no futuro, por que não? Então que a economia siga em ordem e sem essa de recessão. Muita gente se verá em apuros se a situação apertar e restarem muitas prestações a pagar. Daí que seria muito bom se a presidente da República recomendasse consumo – como recomendou - mas alertando que a coisa pode ficar brava, brava até demais.



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