O espírito de corpo
Pode ser chover no molhado, mas temos o dever à indignação em relação à atitude dos deputados que negaram a cassação do mandato da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). Todo mundo assistiu ao vídeo no qual a deputada foi flagrada recebendo dinheiro do pivô do recente escândalo do mensalão do DEM no Distrito Federal. Entretanto, esse fato não bastou para que seus pares a punissem. Agarrados ao incrível argumento de que o fato ocorreu antes de Jaqueline ser eleita deputada, votaram contra a cassação.
Esse “o passado não importa” é aviltante. Um deputado compareceu indignado à tribuna para discursar, dizendo que se alguém tiver cometido algum crime antes de ser eleito, ato de pedofilia, por exemplo, isso não importa o que é um absurdo. Dedução correta, lógica, mas que não resolve o problema.
O comentário geral em toda a mídia é o de que prevaleceu o espírito de corpo. Os deputados que votaram contra a cassação olharam para os seus passados e temeram que algum fato comprometedor fosse descoberto e resultasse em cassações. O oposto a esse raciocínio é imaginar que os deputados que preservaram o mandato de Roriz estivessem realmente convictos de que o passado não importa o que é ainda pior.
Por detrás dessa ultrajante situação está um sistema corporativista que visa preservar a si mesmo acima das circunstâncias. Por outro lado, deve-se lembrar de uma enorme parcela do eleitorado brasileiro da qual o mínimo que se pode dizer é que vive em estado permanente de alienação. Trata-se da massa pública manipulável através de promessas e discursos vazios, pessoas que reelegem parlamentares cujo passado de tramoias foi anteriormente exposto publicamente. Parlamentares que renunciaram a seus cargos para não serem cassados retornam à Câmara sem a menor dificuldade nas eleições seguintes, eleitos que são pelos seus currais eleitorais, cativos de sua eloquência, promessas e favores.
O pior, porém, é dizer tudo isso, repetir o que afinal todo mundo sabe e concluir que o cidadão comum nada pode fazer dado que a única atitude a seu alcance é a de punição pelo voto. Mas seria preciso que essa punição fosse coletiva para que os pratiquem crimes sejam afastados da política. Infelizmente esse tipo de solução carece de amadurecimento de grande parcela de eleitores o que não se espera em curto prazo. Isso somado ao fato de que os brasileiros não são dados a protestos deixa a situação exatamente como está, ainda que revoltante.