Broncas de carnaval
A grande festa nem acabou, mas tem gente baixando o pau nela. Os críticos de plantão que detestam o carnaval não perdem a oportunidade para falar mal da folia bem no momento em que ela está acontecendo. Há os que teimam em se lembrar de algum infortúnio que aconteceu a eles num carnaval do passado, tão distante que a própria memória talvez esteja, também, muito fantasiada. Há os que não poupam críticas às ruas cheias de gente, à quebra do sossego, à transmissão pela TV do carnaval de rua. Muita gente sonha com a chegada das cinzas que, pelo visto, restituirão a serenidade e a ordem ao mundo.
Não deixa de ser interessante a sinceridade das pessoas que insistem em remar contra a maré de alegria que percorre o país de norte a sul, levando em seus cordões milhares e milhares de foliões que entram naquela de deixar pra lá os problemas porque nessa vida há que se divertir um pouco senão a gente acaba sucumbindo.
Pois é, o carnaval é a festa do “deixar para lá”. No coração de cada folião está impresso outro, aquele do samba do Ary Barroso, folião de raça que se perde num cordão atrás de uma morena e só volta para casa na quarta-feira onde o espera a mulher que o chama de “meu pedaço”. Ele pertence à mulher nos 360 dias do ano, exceto nos quatro ou cinco em que acontece o carnaval. Aí ele é da folia, do samba, da morena Florisbela que tanto o trai.
Ary Barroso captou bem toda a alma desse negócio chamado carnaval. O grande Ary compreendeu que na vida dos brasileiros estabelece-se um hiato no qual mesmo o pobre e desvalido tem o seu momento de ascensão, vira gente, iguala-se aos ricos na grande roda do samba. Ary deixou-nos a lição gravada em sambas inesquecíveis os quais, ao que parece, nunca foram ouvidos pelos que utilizam as páginas dos jornais para criticar a bagunça, afirmar que saem do país porque detestam o carnaval ou lembrar-se de alguma desgraça acontecida durante carnavais passados.
Tá bom, o carnaval já não é o mesmo, a festa tornou-se comercial, os desfiles das escolas de samba deixaram de ser o verdadeiro carnaval, a alegria é falsa, tudo isso se diz. Então só nos resta parodiar Machado de Assis e perguntar:
- Mudou o carnaval ou mudei eu?