Cartas de amor
Quando rapaz escrevi algumas cartas de amor. Para o bem ou para o mal a maioria delas não eram endereçadas por mim a alguém por quem estava interessado. Acontece que meu pai tinha um pequeno negócio em cidadezinha do interior. Negócio pequeno, mesmo, que era tocado por ele, meu pai, e um único funcionário. Esse funcionário nem sempre era o mesmo: o sujeito trabalhava durante algum tempo, parava e logo outro o substituía na mesma função.
Pois houve época em que o funcionário de meu pai foi certo João, sujeito boníssimo e ainda rapaz, oriundo de cidade do sul de Minas Gerais. Certo dia esse João me confessou sua paixão por uma moça de sua terra natal com a qual queria se corresponder por carta. Acontece que o João não sabia escrever, daí a conversa ter evoluído para o pedido dele de que eu escrevesse uma carta para a moça a quem ele amava. Com o que imediatamente - e inconsequentemente - concordei. Escrevi uma carta melosa que o João postou no correio local em envelope endereçado com a minha letra.
A essa altura é preciso dizer que fiz isso sem pensar no assunto. Entretanto ocorreu que, pouco tempo depois, chegava a resposta à carta do João. Ao que houve a necessidade de respondê-la. Para encurtar a história a partir daí estabeleceu-se um ritmo de idas e vindas de cartas com intervalos de cerca de quinze dias. O problema é que o conteúdo das cartas foi se tornando cada vez mais comprometedor. O João se ria disso na matutice dele, achando a coisa toda muito engraçada.
Pois tudo seguiu bem até que, certo dia, recebemos uma carta que tinha no envelope letra diferente da qual estávamos habituados. Curiosos eu e o João rasgamos o envelope e qual não foi a nossa surpresa ao constatar que se tratava de carta enviada pelo pai da moça. Em resumo dizia-se ele de acordo com o casamento de sua filha com um rapaz que por ela tanto amor manifestava através de insistentes declarações feitas por meio de cartas. Enfim, tratava-se do consentimento paterno ao noivado e posterior matrimônio.
A carta do pai deixou o João muito preocupado. Durante algum tempo ele esteve macambúzio até que, certo dia, pediu demissão do emprego e retornou à sua terra. Não sei contar o fim da história, dizer se o João se casou com a amada, embora me pareça que esse teria sido o encaminhamento natural dos fatos.
Não sei se você já escreveu alguma carta de amor. Caso tenha escrito - e ainda a tenha - experimente ler porque terá em mãos parte daquilo que você fez no passado. Pode até ser que você estranhe muito o texto e, dependendo de para quem tenha sido endereçada a carta, não se sinta lá muito bem com o sujeito que você era na época em que escreveu. De todo modo, não se envergonhe: o poeta Carlos Drummond de Andrade é autor de um texto no qual afirma que cartas de amor são ridículas, mas conclui que ridículo mesmo é quem nunca escreveu cartas de amor.
Mas, cartas de amor continuam a ser escritas, às vezes com consequências desagradáveis. Imagine você que na Paraíba uma mulher escreveu carta de amor a um homem na qual revelou até algumas intimidades da relação havida entre eles. A intenção da moça era colocar fim nos encontros entre ambos dado que ela não se mostrava disposta a aceitar que o homem mantivesse relações com outra mulher - pessoa muito próxima da autora da carta.
E dai? - perguntará você. Daí que a mulher que escreveu a carta é funcionária pública e o texto dela acabou sendo publicado, por engano, no Diário Oficial da Justiça do Trabalho do Estado da Paraíba. Imagine-se o tamanho escândalo que obrigou a servidora, escriba da carta, a pedir exoneração do cargo de confiança que até então ocupava.
Que cartas de amor sejam ridículas vá lá. Agora, um engano desse porte… No momento a coisa está no seguinte pé: o presidente do TRT da Paraíba determinou a abertura de um processo administrativo para apurar como o texto foi parar na página da internet da Justiça.
É meu amigo, coisas do amor.