Os dezesseis afegãos
Não dá para reconstruir a fatídica trajetória do soldado norte-americano que assassinou dezesseis civis afegãos. Nem mesmo imaginar como teria ele sido levado a esse ato extremo, matando os dezesseis, dos quais nove eram crianças, e queimando corpos.
Acontecida a tragédia, especulou-se sobre a impossibilidade do soldado ter realizado sua obra sozinho. Depois, concluiu-se que ninguém estava com ele, embora se estranhasse que tivesse conseguido ter feito o que fez e como fez sozinho.
Até agora a identidade do soldado não foi divulgada. Sabe-se que ele é um atirador de elite, carreira meritória, casado, pai de dois filhos. Falou-se sobre ser alcoólatra, usuário de drogas, mas isso foi desmentido. Fica a dúvida: por quê?
O soldado está preso e nesse momento sendo transferido aos EUA porque não havia mais como garantir a segurança dele em território afegão. O presidente Obama pediu esculpas ao governo e povo afegão. É grande a revolta no Afeganistão contra os crimes praticados pelo soldado. O talibã reagiu e as negociações para o estabelecimento da paz no Afeganistão estão, temporariamente, comprometidas.
Quando era menino fui com meu pai à terra natal dele, cidade vizinha da nossa, para presenciarmos a soltura de um sujeito que estava preso na cadeia local há muitos e muitos anos. A história desse homem impressionara muito a meu pai, daí ele que o conhecera no passado, querer vê-lo no momento em que a liberdade era restituída a ele. Mas, o que fizera para estar preso?
Contava meu pai que certa manhã o tal sujeito, até então pessoa pacífica, matara três pessoas de sua família a facadas. Depois disso, ele que morava num sítio, tomara o caminho da cidade e, no trajeto, foi matando com a mesma faca todos aqueles a quem encontrou. Não sei ao certo quantas mortes aconteceram, mas, se bem me recordo, mais de seis.
Os crimes do sitiante aconteceram por volta de 1940 e meu pai vez ou outra se lembrava do fato que aguçara a curiosidade pública num tempo em que atos violentos eram raros na região onde morávamos. Daí meu pai sempre cismar sobre o fato e perguntar-se: por quê?
Eu vi um homem já velho e muito abatido saindo da prisão. A pequena multidão que o esperava certamente desiludiu-se porque não havia no pobre sujeito nenhum sinal que identificasse o grande assassino, capaz de cometer crimes de tão grande proporção. Era um homem de estatura mediana que saiu andando devagar e em nenhum momento ousou levantar a cabeça. Foi assim que o vi, só naquele instante; depois nunca mais ouvi falar sobre ele.
Lembrei-me do sitiante assassino ao ler sobre o soldado norte-americano. Não sei que razões serão atribuídas ao crime do soldado, talvez a algum tipo de desequilíbrio mental provocado pelas tensões sofridas em participações de atos guerreiros. De minha parte prefiro supor que talvez as tensões a que foi submetido tenham despertado nele aquele outro lado da personalidade que emerge em condições extremas e leva pessoas a praticarem o inimaginável.
De todo modo o destino do soldado está selado e existe até a possibilidade de que venha ser condenado à morte. De todo modo os Estados Unidos têm interesse em aplicar ao soldado a pior punição possível para que os afegãos sintam que a justiça foi feita.