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Na fila

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Tinha um sujeito engraçadinho na fila do supermercado. Início de noite, pessoas com cara de cansadas, compras grandes e demoradas para passar, certa intolerância diante da necessidade de estar ali quando se poderia em outro lugar, melhor, talvez em casa, de pijama, curtindo o fim do dia. Mas, o engraçadinho parecia não se dar conta de nada disso: alegre, falava com pessoas que passavam, sempre arranjando jeito de adaptar tom jocoso ao que dizia. Dir-se-ia que o cidadão era desses que a todo custo querem dividir sua alegria com os outros, doa a quem doer.

Foi aí que uma mulher baixinha que estava na minha frente na fila, voltou-se, olhou-me direto nos olhos e explodiu:

- Sujeitinho histriônico.

Histriônico? A palavra soou estranha, fora de lugar e circunstância, há tanto tempo eu não a ouvia. Nem tive tempo de dizer nada porque a baixinha já tinha retornado à postura original, olhando para frente, talvez arrependida de ter-se comunicado comigo, dividindo a agonia que a insatisfação da presença do engraçadinho provocava a ela.

Agora chegara a vez do engraçadinho passar compras e aproveitava o momento para encher a moça do caixa de conversa mole, fazendo perguntas inoportunas, rindo sempre, quando não voltando-se para a turma da fila com aquele jeito de quem procura concordância com o besteirol que proferia ou, talvez, algum aplauso.  Interessante o mal estar que o sujeito causava pela presença impertinente, cara chato, inconveniente, que nos aborrecia por exibir descaradamente, em público, esse lado da personalidade de que não gostamos, simplesmente não toleramos.

Por fim, o engraçadinho comprou, pagou e lá se foi ele, saltitante, levando as compras, com aquela alegria absurda e fora de lugar, nascida não se sabe a título de quê.

Chegou a minha vez. Passei pelo caixa e quando cheguei ao estacionamento deparei-me com a baixinha da fila que fechava o porta-malas do carro dela. Ia passando por ela quando percebi que me olhava. Quando retribui o olhar e me dispunha a cumprimentá-la ela encerrou qualquer investida afirmando:

- Sujeito histriônico.

E parece ter corrido para a direção do carro dela porque não a vi mais, nem ao engraçadinho. Voltei à minha casa pensando em caracterizações definitivas, julgamentos sumários e, principalmente, no poder que os chatos têm de nos incomodar.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 junho, 2012 às 2:09 pm

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