Imagens que não se plasmam
Vi a foto de um homem que tem 89 anos e até poucos meses atrás esteve bem de saúde. De repente dores nas pernas, dificuldade para andar e o diagnóstico: câncer.
Ele teve câncer no intestino diagnosticado há dez anos. Fez cirurgia, quimioterapia e foi dado por curado. Agora a doença retorna e de forma terrível. Os médicos informam que o paciente tem metáteses nos ossos, nos órgãos abdominais. Ele reclama de dor, muita dor e não sabe o que o espera. Ativo como sempre foi acha que a situação é temporária, isso vai passar e logo poderá voltar a andar por aí.
O que não bate nesse quadro é a sobreposição das imagens do passado com a de agora. Eu conheci esse homem quando ele tinha pouco mais de quarenta anos de idade. Sujeito forte, disposto, pau para toda obra, solidário e grande camarada. Viajou por este Brasil, dirigindo caminhões com cargas do governo. Conhecedor de rotas, mestre do volante, contador de histórias ouvidas e vividas nas churrascadas de beira de estradas.
Hemingway escreveu que a vida dobra qualquer um, mesmo aqueles que continuam fortes nas partes dobradas. Do homem de quem falo parece que a vida insiste em dobrá-lo ainda mais, embora ele resista. Morrerá resistindo, não aceitando o fim, querendo-se o forte de sempre, intrépido, talvez achando que de um momento para outro poderá se levantar e entrar no caminhão para levar cargas do governo a rincões distantes no Brasil.
Morrerá lutando contra a luz que quer se pagar, recusando a tornar-se passado.