Viagem no metrô
Leio crônica de Danuza Leão sobre visita dela ao centro do Rio. A cronista conta que há muito tempo não ia ao centro e que o melhor era não ter ido porque ficou triste com a pobreza que viu. Tinha do centro lembranças muito boas, da época em que ali era o ponto chique do Rio. Boas lojas, restaurantes e gente interessante andando pelas ruas. Agora a visão do Largo da Carioca ocupado por barracas e lanchonetes anunciando pratos a R$ 10,50. Diz Danuza:
“Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de pessoas que circulava por ali. Eram muitas e todas, absolutamente todas, muito pobres. Em qualquer bairro do Rio existe gente pobre, mas não tantas assim, nem tão pobres. Era uma miséria absoluta, que se via nas roupas, nos sapatos –a maioria com uma sandália havaiana já bem usada– e nos rostos’.
Quando cheguei a São Paulo, ainda nos anos 60, o centro ainda era o grande centro com o comércio elegante e pessoas andando nas ruas trajando paletós. Eram comuns ternos, gravatas e chapéus. Aqui o Mappin, ali a Mesbla, enfim os grandes magazines funcionavam a todo vapor. Bons restaurantes, cinemas e, principalmente, segurança. Circulava-se nas ruas do Triângulo sem medo de ser abordado por algum malandro mal intencionado. São Paulo era o centro da cidade com todo o seu viço numa época em que ainda não existiam os shopping centers. Casa José Silva, Lutz Ferrando , Casa Manon, Breno Rossi, Restaurante Leão, Cine Olido, Cine Metro, H. Stern, o centro era o ponto de referência da cidade.
Hoje é o que é esquecido de seu passado, ocupado por milhares de transeuntes que correm de um lado para outro como se tivessem se perdido e já não fosse possível encontrar o caminho. Nada de ternos, paletós, gravatas e chapéus. A miséria e a pobreza escancaram-se para quem quiser ver.
Entrei no metrô. Era domingo. Impressionou-me uma mulher muito magra e usando um vestido longo, muito grande para ela. Nos pés sapatos simples, pretos, que não combinavam com nada. Ao ver as pessoas e reparar na pobreza de muitas delas não pude deixar de pensar nessa história toda de corrupção, de desvio do dinheiro público para fins escusos. Vieram-me à memória os projetos faraônicos, as estradas não terminadas, os favorecimentos, o dinheiro em paraísos fiscais, a transposição do São Francisco, a estranha autossuficiência do petróleo, as hidroelétricas que não saíram do papel, o mensalão e toda uma cadeia de horrores aos quais nos habituamos e contra a qual em geral silenciamos.
O que Danuza Leão viu no centro do Rio, o que se pode ver as ruas do centro de São Paulo e de outras cidades é a parcela de vida que cabe aos pobres que lutam diariamente pela sobrevivência e com os quais nenhum governo parece estar preocupado de fato. Trata-se desse Brasil imenso no qual as oportunidades não estão ao alcance de todos, isso sem falar no acesso a direitos básicos como saúde e educação.
Seria preciso que os candidatos fossem obrigados a utilizar os transportes públicos, visitar hospitais de periferia, inteirar-se realmente da situação de milhões de brasileiros que aguardam que algo de bom lhes aconteça. Talvez assim as coisas começassem a mudar, ainda que lentamente, em todo caso fugindo do discurso tosco das promessas que ouvimos todo dia e que sabemos muito bem que não serão cumpridas.