Chefe de seção
Rapaz magro, braços de lutador de UFC. Cabeça pequena, cabelo rente penteado na direção do topete levantado. Irritadiço, brigando com a impressora que não funciona. Tapa aqui, empurrão ali, ajuste dos fios, paciência acabada ele liga para o cara do período da manhã e pergunta quem fez aquilo, quem largou a desgraça na mão dele, agora que tem que imprimir e tem gente esperando.
Fora da sala, braços sobre o balcão, gente esperando. Finalmente ele troca a Samsung por uma matricial, consegue imprimir e logo sai da sala um sujeito de maus bofes, levando a papaleda. Chega a nossa vez.
Ele está bravo, mas é educado com a gente. Desculpa-se culpando o serviço, o descaso do funcionário da manhã com o equipamento. Explica que entra às duas da tarde e fica até a noite no serviço. Enquanto prepara o nosso papel fala sobre a sua vida. Está ali há dez anos, começou após ser aprovado em concurso: ficou entre os dez primeiros, concorrendo com mais de oito mil. Prova de que não é burro, tem talento - acrescenta. E não pretende ficar ali a vida toda, ainda mais para receber a merreca que ganha por mês. Não gosta de ver o balcão lotado, com gente esperando, mas que fazer se tudo é com ele, se tem que resolver e, pior, as coisas não funcionam?
Fala a si mesmo, não quer nossas opiniões. Repete que está ali, mas dez anos foram demais. Olhe que um tio ficou sem falar com ele três meses quando soube que tinha passado no concurso. O tio sentenciara: aquilo não era vida, não era bom, ainda mais para alguém inteligente como ele. O maldito velho tinha razão.
Impressos os papéis o rapaz expõe sua filosofia. Diz que a vida dá muitos avisos os quais ignoramos. É preciso cuidado em relação às mensagens que recebemos da vida porque podem significar que algo pior está para acontecer. Disso ele sabe muito bem porque recebe gente de todo tipo, acompanha o que acontece com as pessoas nesse vai-e-vem do dia-a-dia.
Despede-se com elegância. Abre a porta e ainda uma vez recomenda que leiamos os papéis com cuidado para entender o aviso que está escrito neles.
Na rua, dirigindo o carro, penso no chefe de seção e suas certezas. Sairá ele algum dia de lá?