O espantalho volta à vida
Assisti a um documentário sobre efeitos especiais no cinema. Os recursos digitais permitem conferir realidade a coisas inimagináveis. Trata-se um campo em permanente evolução no qual se parte da premissa de que nada é impossível. Se um diretor de cinema imagina uma cena, por mais estranha que seja, um grupo de engenheiros e técnicos corre atrás de soluções que envolvem enormes cálculos e a tornam possível. Quem vê na tela de cinema um desses filmes nos quais robôs são montados de um instante para outro não imagina o trabalho para animar, ao mesmo tempo, milhares de peças que se ordenam até se transformarem no robô que se movimenta como se fosse humano.
Sempre me impressionei com cenas comuns em alguns filmes nas quais o protagonista entra num campo de vegetação alta, tipo um milharal, e se perde dentro dele, buscando uma saída que demora a encontrar. Em alguns filmes o protagonista está sendo perseguido e, portanto, sua fuga é prejudicada pelo labirinto verde que o envolve. Em filmes de terror o protagonista acaba topando com um espantalho, aparentemente colocado ali para afastar aves que devoram o milho. Esses espantalhos podem surpreender os expectadores, saindo de repente de sua imobilidade e ganhando vida que permite a eles a realização de coisas terríveis.
Eis que, no Brasil, um espantalho muito temido, começa a dar sinais de que está novamente vivo, podendo causar estragos inimagináveis na vida de toda a gente. É desses espantalhos dos quais nos esquecemos e até achamos engraçado quando se fala sobre eles, sempre os considerando como coisas do passado. Espantalho tipo o que espanta corvos, sendo os dois, espantalho e corvo, indesejáveis. Espantalho sobre quem muita gente ouve falar, mas por não tê-lo nunca visto, ignora o perigo que oferece.
O nome do espantalho que está voltando à vida no Brasil é inflação. Ele é terrível, capaz de atos odiosos como o de estabelecer uma escalada de preços e prejudicar seriamente a economia do país. Pessoas mais jovens talvez ignorem o passado recente do país no qual a inflação crescente corroía a economia e a vida dos brasileiros. Não podem imaginar o que venha ser a alteração de valores em mais de 50% de um mês para outro, a política de remarcação de preços, o fato dos salários não fazerem frente à escalada de preços, a insegurança geral, enfim todos os efeitos deletérios da inflação.
São já de algum tempo as advertências sobre os rumos da economia do país cujo governo vem flertando com o perigo do retorno da inflação. Começa a redução do consumo, o PIB é baixo, os juros começam a subir para conter a inflação e o governo parece não saber que rumos dar à economia neste momento bastante delicado que atravessamos.
Estamos, pois, como o protagonista de um filme, em pleno milharal, sabendo que o espantalho tornou à vida e como nos pode atingir. Mas, talvez ainda seja tempo de se achar uma saída e evitar o grande mal ao qual de modo algum podemos retornar.