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Caso de amor

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Quando o sogro faleceu a sogra veio morar com eles. Dito assim parece que tudo foi simples, natural. Não foi não. A sogra era boa pessoa, mas chata como ela só. Quando a mulher convidou a mãe - isso ainda na volta do cemitério, após o enterro – ele estremeceu. O sogro morrera de repente e deixara a velha sozinha. Natural, pois, que fosse viver com a filha - e com ele. Dirigindo o carro muitos filmes se passaram pela cabeça dele. Já em casa sugeriu à mulher a contratação de uma funcionária que faria companhia à velha. Depois, a velha tinha os seus hábitos, gostava da casa dela, como iria se acostumar à vida no apartamento que, afinal, mal dava para o casal? Demais ele utilizava o outro quarto como escritório, tinha nele os seus papéis, o computador na mesinha. Até a ligação da internet mandara fazer para aquele quarto, como ficariam as coisas se a velha viesse morar com eles?

O assunto rendeu durante algum tempo até que a própria velha acabou cedendo à pressão da filha e se mudou para a casa deles. No fim ele mesmo acabou concordando: o argumento de que a velha senhora poderia passar mal e morrer sozinha bateu forte nele que sofria desse mal incontrolável que é o remorso por antecipação. Se a velha morresse, não se perdoaria, estava dado o passo definitivo de aceitação.

Acontece que a velha tinha um cachorro. Cachorro pequeno que ele imaginou que a velha doaria para não trazê-lo na mudança. Mas, a velha tinha um amor dando pelo cãozinho e sem ele nada feito, ficaria na casa dela. Com desprezar um bicho de estimação, companheiro de alguns anos, ela que já perdera o marido?

Veio o cão. Entretanto, desde o primeiro dia o cão deixou muito claro que não ia com a cara do dono da casa. Bicho esperto mantinha as aparências quando a velha estava por perto. Mas, quando estavam a sós, ele e o cão, o cão rosnava e mostrava os dentes. Animalzinho mal humorado, detestável. Bem que ele tentou dizer à mulher que tudo bem a mãe dela em casa, mas o cão, por que diabos teria que aturar o cão? E não deu outra porque a mulher logo foi dizendo que ele não tinha nenhuma sensibilidade, como afastar da mãe o animal pelo qual ela tinha tanta afeição, além do que o cãozinho nenhum trabalho dava a ele?

A situação ficou assim por alguns meses até que, certa ocasião, a velha saiu do prédio para ir à padaria e foi atropelada. Dois dias depois, não resistiu aos ferimentos e faleceu.

Ficou o cão. Ele odiava o bicho, mas bom coração que tinha, percebeu a tristeza do bicho que perdera a dona. De modo que com o passar dos dias o cão parou de rosnar para ele e até deixou de bancar o guarda na porta do quarto que voltou a ser o escritório de antes. As coisas foram de tal ordem que o cão acabou se afeiçoando a ele e ele ao cão.

Há histórias que têm fim improvável. Pois certo dia o cão adoeceu e veio a morrer. Daí que quando me encontrei com o gajo e ele me contou da morte do cão, imaginei que ele estaria finalmente aliviado, senão vingado. Pois não é que ele se mostrou muito consternado ao ouvir de mim tal observação, confessando que andava sentindo uma danada de saudade do bicho?

Escrito por Ayrton Marcondes

6 maio, 2013 às 8:41 pm

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Postado em Cotidiano

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