Conclusões sobre o movimento das ruas
Fervem na mídia as tentativas de interpretar o que está acontecendo. De repente, massas humanas saíram às ruas, a princípio por conta do aumento das tarifas de ônibus urbanos. Nos dias seguintes a multidão avolumou-se, os protestos se espalharam por outras cidades e agora paira uma enorme interrogação sobre no que tudo isso vai dar.
Não se discute que os protestos há muito superaram a razão inicial que os provocaram. Saem às ruas os brasileiros que trazem em suas almas muitas revoltas represadas. O desgaste da classe política, a cara-de-pau dos governos, a Justiça que falha, a impunidade, a violência desmedida, os péssimos serviços públicos, o horror da saúde pública, o descaso com a educação, a política econômica que teimosamente é mantida apesar de tantas advertências: trata-se de uma bem montada sopa de males recalcados na alma popular que subitamente encontra válvula de escape e emerge para o asfalto, ganhando mais força a cada dia que passa.
Mas, ainda assim não se explica como um povo arredio a protestos deixa-se, apaixonadamente, envolver por um movimento que ninguém sabe no que vai dar, nem mesmo conseguindo explicar-se com lógica a sequência alarmante de fatos que parecem não ter data marcada para alcançarem um termo. Mesmo a redução das tarifas anunciada ontem - capitulação do governo - parece não ser suficiente para que novos protestos aconteçam.
Imagino o que se passa no meio da classe política, por um lado temerosa, por outro procurando saídas para tirar proveito da situação. Interessante como muda a tônica dos discursos das autoridades, de início desfavoráveis, agora favoráveis ao que chamam de liberdade democrática de expressão. Curiosa a divisão entre os que protestam nas ruas, separando-se dos interessados em demonstrar sua insatisfação a bandidagem que se intromete na massa humana para atos de vandalismo e prática de crimes.
A verdade sobre as conclusões em relação ao movimento das ruas é que não existem conclusões. Já foi dito que ninguém sabe explicar o que está acontecendo nem no que tudo isso vai dar.
De tudo o que acontece me ocorre perguntar como teria sido o período de ditadura militar no Brasil, caso naquela época houvesse a internet e redes sociais. Hoje em dia as manifestações são marcadas através de redes da internet das quais todo mundo faz parte. Tornou-se muito simples e de fácil acesso organizar uma passeata, convocando milhares de pessoas a se reunirem num determinado lugar, à hora marcada.
Se bem me recordo houve nos tempos de Collor um domingo no qual as pessoas foram chamadas a protestar contra o governo, colocando um pano escuro nas janelas de suas residências. Foi o luto de Collor que poucos dias depois se viu obrigado a renunciar.
No Brasil as coisas costumam acontecer de modo imprevisto, mas com consequências nem sempre boas. Seria bom se as autoridades deixassem de lado os pronunciamentos de efeito e fizessem um bom exame de consciência sobre as suas ações políticas. Se conclusões definitivas não se podem tirar do que está acontecendo isso não representa que o governo não deva enxergar no meio da névoa a luz vermelha piscando, sinalizando perigo.
Mesmo que a turba se acalme e as pessoas voltem para as suas casas, encerrando as manifestações, qualquer um pode ver que um primeiro aviso foi dado, claramente dado. É preciso atenção a esse aviso se não se quer que a insatisfação cresça ainda mais, chegando ao ponto no qual se torne muito difícil, senão impossível, repor as coisas em seus devidos lugares.