Casarão demolido
Imagino para onde irão os espíritos que se mantinham aferrados às suas antigas casas quando elas são demolidas. Constroem-se prédios até sobre velhos cemitérios e a terra realmente soterra as gerações passadas.
Aquele homem que anda pela Av. Paulista, São Paulo, num certo dia de 1909, observa mansões nos dois lados da rua e talvez imagine que seu mundo é indestrutível. Como pensar que as grandes mansões, abrigando gente tão rica e poderosa, viriam abaixo, substituídas em meio à futura febre de progresso? Como imaginar um mundo que não é aquele em que vivemos, o nosso mundo que se mostra aos olhos com toda a força de uma eternidade que, na verdade, é precária?
O tempo passa e as máquinas derrubam. Antigas paredes que presenciaram o fôlego de vidas da noite para o dia transformam-se em nada mais que montes de entulho. Nada além de pó, o mesmo pó no qual se transformaram as pessoas que ali viveram no passado.
Assim, as memórias se apagam, o mundo muda e não nos damos conta disso. Do mesmo modo civilizações desaparecem, deixando parcos resquícios a indicar sua anterior existência.
Está nos jornais que em 2014 será enviada a Marte uma sonda espacial com a missão de averiguar se já houve vida naquele planeta. Será que no futuro uma civilização marciana enviará à Terra uma nave para procurar sinais da nossa civilização então extinta?
O mundo gira e a vida passa. O tempo passa. Ontem uma das restantes velhas mansões da Av. Paulista foi demolida. As fotos do local mostram nada mais que entulho, apagando-se definitivamente as memórias de tudo o que aconteceu ali. Em breve certamente no local será erguido um espigão, prédio moderno, enorme, a concorrer com tantos outros que fizeram a ocupação dos terrenos onde ficavam os antigos casarões.
A demolição e a construção de um prédio figuram como normais. Não passam de exigências de um novo tempo no qual velhas residências ficam cada vez mais deslocadas em meio aos arranha-céus. Entretanto, não se pode dizer que se trate de um parto sem dor. O que se está a demolir é um mundo desfeito que desaparece definitivamente, levando consigo os restos de memória que nos fazem sentir e comportar como seres humanos.