“Não saí para procurar homem…” at Blog Ayrton Marcondes

“Não saí para procurar homem…”

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Não se conhecem e o acaso as coloca sentadas lado a lado num ônibus. Poltronas 13 e 14.  Uma delas fala ao telefone com uma pessoa a quem chama de Amiga. Não há uma frase em que não use a palavra “Amiga”. Ela combina com a “Amiga” encontrarem-se mais à noite. Quando desliga a do lado puxa assunto, perguntando onde ela costuma ir. Seguem-se comentários sobre lugares onde se canta o funk. Trocam referências sobre casas noturnas conhecidas de ambas e indicações daquelas que uma delas não conhece. A certa altura concordam sobre uma casa noturna da qual gostam muito embora a ressalva de que o lugar fica chato quando muito lotado ou se acontecem as brigas frequentes.

A que estava ao telefone conta à colega de viagem que é cozinheira. Trabalha em São Paulo na casa de gente muito rica. Gente boa, mas cada um come coisas diferentes dos outros. Ao almoço só vem a dona da casa; o marido e os filhos jantam com ela, mas nunca aparecem pra almoçar. Conta, ainda, que está no ofício de cozinheira há oito anos. Por três anos foi “chef” de uma casa de massas, mas cansou e pediu as contas. A certa altura a “chef” é interrompida pela outra que diz adorar gastronomia, tanto que se especializou em alimentos. A partir daí começam a falar sobre modos de fazer pratos, tipos de massas, queijos, carnes etc. A “chef” confessa adorar gorgonzola, sendo que basta muito pouco desse queijo para tornar certos pratos muito saborosos.

O ônibus desce a serra em meio a neblina e as mulheres conversam, agora falando mais baixo. Depois de algum tempo voltam ao assunto das casas noturnas. Já com intimidade a outra conta para a “chef” que namora há um ano. Conheceu o namorado por puro acaso, na noite. Ia para um lugar, acabou num outro que tocava rock, isso por puro acaso - repete. Confessa que nem saiu para procurar homem, veja só como são as coisas. Tinha se separado há algum tempo e homem era tudo que nem queria ver pela frente. E aconteceu com esse cara que conheceu na noite, homem legal, gente muito boa.

A conversa se estende até que o ônibus, finalmente, para na estação rodoviária. A “chef” ainda tem tempo para ligar para o homem dela, avisando que acaba de chegar à cidade e perguntando se ele está no dia em que faz turno à noite. Combina se encontrar com ele logo depois e diz que está com saudade.

Só quando as duas se levantam para descer eu as vejo. Não são moças, nem bonitas. Despedem-se com um beijo e provavelmente não mais se encontrarão, exceto se o acaso cuidar de juntá-las em alguma circunstância.

- Até, a gente se vê.

Dizem isso e desaparecem.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 agosto, 2013 às 7:36 pm

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