O enterro do Bentley
Acontecia no Egito quando os faraós enterravam os seus bens mais valiosos para tê-los e volta depois de mortos. Estava para aconter em São Paulo quando o milionário Chiquinho Scarpa decidiu enterrar o seu carro mais valioso - um Bentley de R$ 1,5 milhão - seguindo a rotina dos faraós.
Notícia divulgada, grande estardalhaço. Num país onde as desigualdades parecem não ter remédio e a pobreza talvez seja invencível um cara muito rico dá-se ao luxo de enterrar um carro valiosíssimo para seu deleite pessoal. E faz isso com pompa e circunstância: manda abrir um buraco enorme em seu jardim e posta o “morto” perto dele. A foto do milionário junto ao Bentley e do buraco é divulgada. A mídia reproduz sem crítica a excentricidade do homem rico e prepara-se para documentar o enterro. Tudo parece correr dentro de um cronograma pré-definido e bem executado, afinal enterro é enterro. Talvez se esperasse um momento agudo de despedida do milionário em relação ao carro que tanto amava, quem sabe cena lacrimosa de adeus entre velhos companheiros de tantas.
Eis que chega o dia do enterro. Imprensa presente, helicóptero sobrevoando o lugar para cobertura ao vivo do estranho fato. No último minuto o empresário manda parar o enterro do Bentley e declara que tudo não passou de uma armação: na verdade o que se pretendeu foi chamar a atenção para a necessidade da doação de órgãos que ao ser enterrados e não servem de ajuda pra ninguém. Fica-se sabendo que tudo não passou de uma criação de uma agência de propaganda encarregada da campanha em favor da dação de órgãos. Bom motivo, tudo esclarecido, sanidade preservada, repórteres enfiando a viola no saco e produtores comemorando o sucesso da campanha.
Há quem cobre a imprensa pela falta de filtro na divulgação de notícias, deixando-se enganar tão ingenuamente. Leve-se em conta que Chiquinho é dado a excentricidades, mas…. O que não se fala é sobre a facilidade com que se produzem notícias. Culpa talvez da velocidade do mundo e necessidade de informar.
Disputa-se uma corrida entre meios de informação onde cada um busca a primazia de informar primeiro, senão, pelo menos de não ficar de fora de algo sobre o que todo mundo falará e divulgará.
Mundo estranho esse no qual situações paradoxais simulam normalidades e a crítica parece cada vez menos necessária.