Norma Benguell
Sou do tempo da chanchada. Você que é jovem não viu, não riu. Ría-se do absurdo, de piadas que se espalhavam pelas ruas, caiam no gosto e na boca do povo. Oscarito e Grande Otelo: que dupla. E não adianta os intelectuais virem a público para dizer que chanchada é sinônimo de lixo. Tinha chanchada ruim, sim. Mas, as da Atlântida eram boas. E vieram o Ankito, o Zé Trindade e aquela mulherada que fazia a delícia da homarada sequiosa. Aliás, que tipo o Zé Trindade, não? Baixinho, meio esquisito com aquela voz estranha a repetir os bordões dele. Um deles era o tal “mulheres cheguei”, pode?
A primeira vez que vi a Norma Benguell foi na tela do cinema, numa chanchada em parceria com o Oscarito. Que mulher! Bonita como ela só, corpo escultural, delícia de se ver. Não se passou muito tempo para que ela ganhasse notoriedade nacional ao trabalhar no filme “Os cafajestes” do diretor Rui Guerra. Era um tipo de cinema diferente que antecipava o que viria a ser o cinema novo. Vinha na linha dos “Cahiers do Cinema” que nos anos 60 ditavam o modo de ser do cinema embora “Os cafajestes” não fosse inteiramente fiel às regras. E trazia a majestade do primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Inesquecíveis as cenas de Norma Benguell nua correndo enquanto Jece Valadão dirigia o carro entre as ondas que quebravam na praia. Fazía-se ali história. Desafiava-se a moral vigente, a censura, o modo solene de ver a vida, jogando-se para baixo dos tapetes as perversões como se não existissem. O mundo era outro, era preciso manter as aparências a qualquer custo.
Agora que Norma Benguell morreu com mais de 80 anos de idade foi-me possível refazer, em parte, as emoções de principiante diante de uma inesperada nudez que contrariava o meu modo de ver o mundo naquele início da década de 60. Era outro o Brasil, outro o mundo, muito diferente deste em que hoje vivemos. Ainda não havíamos chegado à ditadura, a bossa nova caia no gosto das gentes e encantava. No país em que tudo parecia estar por acontecer aparecia a bela Norma que depois espalharia sua arte e encanto em filmes italianos e franceses.
Li que Norma Benguell reclamava da solidão no fim de sua vida. Os poucos amigos dela que compareceram ao velório censuraram a ausência de artistas, de tanta gente que trabalhou com ela e a conheceu. Na mídia fez-se questão de frisar a confusão econômica em que ela se envolveu com dinheiros que recebeu para produzir um filme. Nem todo mundo a tratou com o respeito devido a uma diva brasileira que fez parte do cotidiano e imaginário nacional ao longo de décadas.
Por isso, prefiro não levar em conta o último momento de Norma, este em que a doença corroeu seu copo e a morte a levou. Para mim Norma Benguell será sempre aquela mulher nua na praia e eu, se possível, o rapazote encantado com os olhos imantados à tela do cinema.