19h26
19h26. A comida simples sobre a mesa parece sempre igual aos olhos do menino. Tem o jiló que ele detesta, mas tem que comer um pouco porque criança deve ser obrigada a experimentar de tudo senão cresce cheia de mania.
A mesa de jantar - a mesma em que se almoça - fica na cozinha. É um espaço amplo no qual arde o fogo no fogão de lenha, há uma pia e, encostado na parede, o armário guarda-comida. O guarda-comida é envidraçado e deve ser mantido sempre fechado senão os mosquitos invadem atraídos pelo cheiro dos alimentos. Há o feijão que se requenta na hora das refeições, o resto do arroz que sobrou do almoço, umas folhas de alface num vasilha de alumínio e a carne salgada para não estragar. O ano é 1956, geladeira só em casa de quem pode.
O menino espera os pais e o irmão sentarem-se, a mãe serve o prato primeiro com verdura, só depois o arroz, o feijão e a mistura. O pai come depressa, o irmão parece um fauno atrás dos seus óculos de lentes grossas. A mãe é magra, fala bastante, reclama muito e acaba irritando o pai que emite um grito para que ela se cale. O menino pensa que vai começar de novo, afinal os dois brigam muito entre si, discutem sempre a mesma história do ciúme dela por ele ser tão mulherengo.
A luz é fraca porque a companhia fornecedora de energia é uma de Minas que parece não cuidar bem dos fios, isso é o que se diz. O menino engole como pode o jiló e logo passa ao arroz e feijão que são muito bons para encher abarriga. Comer depressa é o jeito de sair da mesa logo, fugindo da eterna disputa entre os pais que nunca vai ter fim. Quando termina, o menino corre até a pia, põe sobre ela o prato e enche um copo com a água da torneira. Bebe tudo e só então chega perto do pai para pedir 1 cruzeiro que é o preço do docinho na padaria.
O pai resmunga, enfia a mão no bolso e, finalmente, passa ao menino a moeda. Hora de sair correndo, são 19h45 e a padaria fecha às oito.
Depois do doce - delícia açucarada - é matar o tempo pegando besouros para colocar dentro de caixas de fósforo. Besouro preso está montado o rádio que o menino encosta no ouvido para ouvir as rádios em ondas médias de lugares distantes.
Não são ainda 22h quando mãe sai à porta e o chama para dormir. Já na cama o menino pensa nos deveres da escola que não fez por preguiça. Amanhã, na aula, a professora que é uma mulher muito brava vai uivar, com sorte não ele tomará um tabefe pela falta. Mas, isso é problema do dia seguinte, agora é pegar no sono e sonhar os bons sonhos de menino.