O sentido da morte
O poeta Ferreira Gullar escreve sobre gatos. Ele diz ter um felino siamês com o qual convive em seu apartamento. Entre outras afirmações lembra-nos o poeta de que só nós, humanos, temos consciência de que vamos morrer. Os gatos vivem cada dia sem a noção de que a morte os espera, talvez nisso resida a felicidade deles.
Sempre vejo com apreensão as tais pesquisas que visam aumentar a duração da vida. Na minha concepção vivemos o tempo necessário, em acordo com os nossos limites de aptidão física. Mas, pergunto: caso fosse possível manter o vigor físico aos 100 anos de idade ou mais interessaria continuar vivendo?
Ninguém em sã consciência quer morrer, excetuando-se os suicidas, homens-bomba e afins. A vida é difícil para muita gente, mas, ainda assim, agarramo-nos a ela sonhando com uma eternidade impossível. Mas, não morrer?
As histórias de vampiros nos dão ideia do sofrimento em que pode se transformar a vida eterna. Uma das grandes maldições que pairam sobre vampiros é aquela de serem imortais. Não existe para eles a perspectiva de um fim e isso torna as suas existências mais trágicas ainda.
Mas, não somos vampiros. Darwin nos ensinou que resultamos de um processo de evolução o qual, sabe-se, está em andamento. O biólogo francês Jean-François Bouvet acaba de publicar livro no qual afirma que o principal fator evolutivo que atua sobre o homem atual é a modificação ambiental provocada por ele mesmo. Não se trata de uma evolução no sentido de Darwin, mas de uma retro evolução. Sinais desse fato são a puberdade precoce observada em meninas, o aumento de cerca de 5 cm na estatura dos franceses e o alarmante aumento da população de obesos. No caso da precocidade sexual é estranha a diminuição da fertilidade: nos últimos 50 anos houve redução de 40% da concentração de espermatozoides no sêmen, isso em escala planetária.
Segundo o biólogo a causa dessas mudanças ultrapassa os condicionamentos genéticos. sendo importantes as substâncias químicas como pesticidas e antibióticos. Para ele os avanços da medicina oferecem aos seres humanos a possibilidade de vida mais longa embora possibilidade de vida mais saudável esteja estagnada. O biólogo conclui afirmando que somos a única espécie que sabe que vai morrer, o que não representa que ter consciência sobre isso seja necessariamente melhor.
Não invejo os gatos, nem a totalidade de espécies para quem a morte não passa de um desconhecido acidente de percurso. Em suas últimas palavras Machado de Assis disse que a vida é boa. Boa, sim, mas pode até cansar.