Dia das mães at Blog Ayrton Marcondes

Dia das mães

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Vou comprar corda para fazer varal na lojinha do 1,99, perto de casa. Na volta encontro o João no bar da esquina. Está ele numa das mesas que aos domingos o dono do bar coloca na calçada. Assim que o vejo, decido me sentar ao lado dele para dois minutos de prosa.

Não é que eu tenha intimidade com o João. Eu o conheço há doze anos e topo com ele no prédio onde moro. Mas, nossas conversas nunca passaram do trivial em encontros ocasionais no elevador ou na portaria.

Quando me acomodo o João me pergunta se ainda tenho mãe. Respondo que não. Minha mãe morreu há muito tempo. Sou filho temporão dela. Ela já tinha quase 50 anos de idade quando engravidou daí que conheci minha mãe já velha. Estava dizendo isso quando o João me interrompeu para dizer que também não tem mãe. Perdeu a ela e ao pai já há algum tempo. Diz que o pai era um sujeito forte que fumava cachimbo e tinha boa saúde. O pai dele nunca escovava os dentes: depois de comer passava o dedo molhado nos dentes e estava pronto. O velho nunca fora a médico ou dentista. Tivesse ido não teria morrido de repente, aos 70 anos, tão forte como era. Aliás - diz o João -  fica difícil entender a juventude de hoje. Mesmo com acesso a médicos e hospitais os caras novos são uns fracos. Parece até que eles não têm mesmo saúde. O filho dele, por exemplo, trabalha e estuda, mas parece estar sempre morrendo. O filho reclama muito do trabalho e ele, João, não entende a razão. Imagine se o filho tivesse que levantar como  ele às 5 da manhã e dar duro o dia inteiro. O meu filho tem 19 anos e eu 60 - acrescenta. E pergunta: o que acontece com a geração de hoje?

Não sei o que responder. Passa uma mulher no outro lado da rua e ela e o João trocam acenos e jogam beijinhos. Depois o João me olha e se explica: você sabe que a minha mulher foi embora de casa, ela me largou. Faço que sim, mas eu não sabia. Ficamos assim até que a garçonete traz uma sacola e entrega ao João. É o almoço dele que a cada dia vem buscar no bar.

A caminho de casa me toco que, afinal, esse é o dia das mães. Voltam-me as imagens de minha mãe e sinto saudades. Lembro-me dela quando teve um de seus AVCs e a levei para consulta num renomado neurologista em São Paulo.  A certa altura o neurologista fez uma pergunta cujo sentido ela questionou para responder exatamente o que ele queria saber. Então o neurologista olhou para mim e me disse que raramente tinha oportunidade de atender a uma pessoa tão inteligente quanto a minha mãe. E ela estava, ainda, com o desvio da boca, devido ao AVC, e falava com alguma dificuldade.

Era a minha mãe uma mulher inteligente cuja formação não passara do nível primário. Nascera na primeira década do século 20 e sempre viveu com extrema simplicidade. Lutou muito para mandar os filhos “pra frente” como dizia. Foi uma mulher e tanto.

Não sei dizer se de fato depois dessa vida existe outra, se mesmo há uma eternidade habitada pelos espíritos.  Caso exista algo, caso a minha mãe esteja em algum lugar que transcenda a minha memória, envio a ela um grande beijo neste dia que é todo dela.

Que saudade!

Escrito por Ayrton Marcondes

11 maio, 2014 às 2:24 pm

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