Nini Carabina
Trabalhava na faxina e reclamava da coluna que doía sempre. Sergipana de raça, não se arrepiava do serviço, completava o turno com a missão cumprida. Dia após dia levava a vida da gente pobre que mora longe e pega três ônibus para chegar no serviço, outros três para voltar à casa.
Nem bonita, nem feia, baixinha, atarracada, Nini nascera portadora desse mistério que têm algumas mulheres, justamente o tal jeitinho pelo qual os homens se apaixonam. Mulher direita e honesta Nini teve o primeiro marido que veio a morrer. Seguiu-se o segundo, um sujeito apaixonado e algo ciumento que a tantas vinha procurá-la no serviço para ver como iam as coisas.
Esse segundo era um sujeito bem composto. Homem simples, trajava sempre um paletó de modo que parecia sempre bem arrumado. Depois se soube que na verdade não se casara com a Nini de vez que já era casado e vivia com mulher e filhos. Nunca se conheceu que a Nini se importasse em ser a “outra” de modo que a situação parecia a ela normal.
Então aconteceu do segundo vir a morrer subitamente. Outra vez sozinha não muito tempo depois Nini acertou-se com o terceiro, desta vez com casamento no papel. Ainda vive com esse terceiro e diz que não pretende enterrá-lo, agora será ela a ir primeiro.
Eu não via a Nini há alguns anos até que hoje ela apareceu para um abraço. Essa Nini que me quer bem pareceu-me não ter envelhecido, ela que está muito bem nos seus 63 anos. Contou-me que teve ao todo sete filhos, tem vários netos e até bisnetos. Orgulha-se que três dos filhos se diplomaram em faculdades e nenhum dos outros trabalha em serviços básicos. Deu muita sorte com o segundo marido que era homem de posses. Teve um filho dele e, com isso, parte na herança. Comprou um terreninho, construiu um sobradinho e mora lá com o atual marido. Recebe a aposentadoria e uma pensão gorda que o segundo deixou para ela.
Não reclama de nada. Ano passado visitou a família em Sergipe, viagem de avião porque hoje em dia não se usa mais o ônibus. Depois me abraçou e foi-se, talvez para nunca mais nos vermos.
Mulher inteligente a Nini. Imigrante sergipana chegou a São Paulo com uma mão na frente, outra atrás. Lutou muito e criou os filhos. Orgulha-se do que conseguiu às duras penas.
De Nini guardo a imagem de uma mulher vencedora, dessas que caso tivesse oportunidades teria ido bem mais longe. Mas, nasceu pobre e sua formação não passou do nível primário.
Ah, ia me esquecendo do “Carabina”. Ganhou o apelido pelo modo como segurava o esguicho durante a rotina de limpeza. Para ela o esguicho era uma arma, daí o “Nini Carabina”.