Um ano depois at Blog Ayrton Marcondes

Um ano depois

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Hoje completa-se um ano desde o dia em que levamos o Vitório ao cemitério. É bom que se diga: aquele foi um enterro e tanto. Considere, leitor, que há enterros e enterros. Aliás, féretros nunca são iguais a começar pelo fato óbvio de que a cada vez enterra-se um morto novinho em folha, pessoa que poucas horas antes andava por aí, melhor dizendo: estava entre nós.

Foi bem esse o caso do Vitório, um sujeito muito surpreendente, tão surpreendente que justamente nos deixou atônitos com sua despedida repentina. Digo isso porque poucas horas antes lá estava ele conosco, na mesa do bar, afogando num copo mágoas recentes, recentíssimas.

Que também se diga: o Vitório era um cara que gostava da mágoa, da dor que a mágoa profunda provoca, da busca de cura da mágoa, do transe de passar de uma mágoa a outra, experimentando, no período entre as duas, momentos desoladores. Há quem seja assim, acredite, e o Vitório pertencia a essa trupe.

Depois que deixamos o Vitório no cemitério fomos ao bar para a despedida solene. O Vitório merecia que nos reuníssemos em derradeira homenagem a ele, não foi preciso combinar nada, o roteiro do novo tempo que se inaugurava sem o velho companheiro só poderia ter início no bar.

No começo ficamos em silêncio, não se achava nada para dizer, o Mauro arriscou um comentário sobre o que se passara no cemitério, mas parou, engolindo as palavras sem completar a frase. Então veio o Ananias com os copos de chope que no primeiro gole pareceram azedos, tanta falta sentíamos do Vitório que era sempre o mais animado da roda. No terceiro chope o Júlio arriscou-se a pedir uma porção de linguiça e no quinto já falávamos sobre tudo, o Jacaré começou com as piadas e, não demorou muito, estávamos como sempre, esquecidos do Vitório agora lá debaixo da terra, gelado, sem direito a um chope, a nada.

De repente faz um ano que o Vitório se foi e vez ou outra falamos sobre ele, cada vez mais raramente o nome do Vitório aparece nas noites em que nos reunimos para o chope, falamos dele como de um amigo que meteu-se numa longa e interminável viagem de trem, o mesmo trem no qual, mais dia, menos dia embarcaremos, deixando vazios nas cadeiras em torno da mesa de chope.

Escrito por Ayrton Marcondes

25 setembro, 2014 às 11:48 am

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