Sobre o Nada
Tem um sujeito, meu conhecido, que a toda vez que é perguntado sobre o que está acontecendo reponde:
- Nada.
Insisto:
- Nada mesmo?
- Nadinha.
Desde muito tomei a liberdade de chamá-lo de Nada. Quando me encontro com ele e o chamo de Nada ele apenas sorri. Mas, convenhamos, o Nada é um homem contido. Desses que se seguram ao limite para não externar emoções. De um ano para cá deixou crescer a barba, certamente para disfarçar o espanto diante da vida. Porque - é bom que se diga – não faz muito tempo a vida do Nada virou de cabeça para baixo. Uma série de acontecimentos infaustos abateu-se sobre ele, inexplicavelmente.
O Nada é dessas pessoas que nos fazem pensar se de fato existem a sorte e o azar. Se de fato algumas pessoas são azaradas, tanto que céus e infernos parecem se voltar contra elas, inexoravelmente.
Mas, a essa altura você estará se perguntando: afinal o que aconteceu a esse tal de Nada? Confesso que não sei detalhes e muita coisa sobre a cascata de má sorte do Nada me escapa. O pouco que soube foi através dele mesmo que certo dia, em fase de desespero, sentou-se comigo para uma cerveja e abriu o bico. Naquela ocasião falou-me ele pausadamente. O Nada mastigava cada frase que parecia sair de seu peito após ser gerada com imensa dor. Confessou-me a falta brutal que faziam a ele os filhos agora vivendo sob a tutela da mãe. A mãe. Justamente a mãe. Ela mesmo, aquele mulherão com quem se casara recusando-se a ouvir os conselhos dos amigos. O Nada deu a ela casa, cama, comida, carro importado de luxo, vida de rica como ela jamais teria vinda que era de berço pobre. Trabalhava ele dia e noite para manter o padrão, feliz por fazê-la feliz. Sempre ocupado, o Nada deixou-a passear várias vezes em Miami, levando dinheiro gordo na bolsa para comprar o desse na telha dela.
Isso durou? Ah, não. Pois foi um sujeito do posto de gasolina que certo dia disse ao Nada que a mulher dele andava com o cara da academia, um personal trainer que ela havia contratado para manter a forma. O que se seguiu foi uma rápida investigação que deu o resultado esperado: ele e o tal personal eram amantes. Seguiu-se a perda da casa que estava no nome dela e até a descoberta de que o carrão já fora passado por ela ao personal. Aborrecido o Nada descuidou-se da empresa e o negócio afundou depressa. De repente dividas, processos etc. Como nenhuma desgraça parece não se dar por completa veio o acidente no qual o Nada se machucou e agora anda puxando por uma das pernas. Tem mais, mas chega.
Naquela noite em que o Nada me falou sobre a desgraça dele, vi um homem cansado da vida, talvez desejando colocar um ponto final no seu estágio entre os humanos. A certa altura, depois de um longo silêncio perguntei a ele:
- E sobre o futuro?
Ele se virou e com algum esforço respondeu:
- Nada.