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A dança do quadrado

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O funk é divulgado em tom imperativo: cada um no seu quadrado, dança bonito, dança bonito, dança bonito. Homens e mulheres separam-se é cada um por si, cada um no seu quadrado. De repente, entre o um e o outro a barreira invisível, cada um no seu quadrado, seguindo a voz que canta:

Eu disse ado-a-ado!
Cada um no seu quadrado!
Ado-a-ado!
Cada um no seu quadrado!

Nada pode destruir a grande barreira do quadrado quando a moça repete quatro vezes os gestos do saci e imita o saci com giratória, tudo dentro do seu quadrado onde ela reina absoluta. No quadrado ao lado, o rapaz é um saci em giratória, quer estender o braço, tocar a moça, mas a grande barreira o impede, é cada um por si dentro do seu quadrado. Isso dura até que a voz avisa: agora prestem atenção: o quadrado do lado, é quadrado do inimigo, empurra o inimigo, pedala no inimigo, beijinho no inimigo, mas quem quiser dar selinho, pode dar selinho também. E continua: ado-a-ado, cada um no seu quadrado.

A voz não para, a voz sugere movimentos que cada um executa como quer dentro do seu quadrado.  Há o momento em que é preciso nadar no seu quadrado, fazer 100 metros rasos no quadrado e imitar bichinhos: macaquinho no seu quadrado, gaivota no seu quadrado, siri no seu quadrado, ado-a-ado, cada um no seu quadrado.

De repente o quadrado é o mundo. Os que dançam fecham-se nos seus quadrados e torna-se possível o isolamento total no meio da multidão. A dança do quadrado retira pessoas do contexto em que se encontram, recolhe-as a uma prisão voluntária onde corpo e alma agitam-se sob um ritmo selvagem.  Um ritual complexo de heranças tribais governa esse aprisionamento voluntário dentro de um espaço mínimo onde a liberdade gestual e integral torna-se possível.

Quando a voz se cala os quadrados desaparecem e os que dançam saem da prisão onde gozavam de liberdade absoluta. Agora os casais se abraçam, o governo volta a ser o das liberdades mediadas, do conflito de interesses, a tal liberdade que depende da existência do outro.

Dança bonito, dança bonito, dança bonito, a vida é um grande baile e nada nos resta senão dançar, cada um no seu quadrado.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 abril, 2009 às 12:03 pm

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Postado em Cotidiano



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