As circunstâncias
O Roberto - a quem chamávamos Robertão - partia do princípio de que todo homem e suas atitudes deveriam ser analisadas a partir das circunstâncias. Nada de novo nisso dada a saturação desse ponto de vista nas mãos de vários pensadores. Entretanto, o Roberto insistia em que de nada vale uma teoria se não a utilizarmos na prática.
Assim, para ele deveríamos sempre partir das circunstâncias que cercaram uma ocorrência para buscar a verdade no acontecimento. Se argumentávamos que sob esse ponto de vista o agente de uma ocorrência não poderia ser responsabilizado por ela o Roberto dizia que mesmo a responsabilidade ficava sob júdice, isso é na dependência das circunstâncias.
A conversa sempre descambava para os lados da liberdade ndividual, coisa na qual o Roberto não acreditava porque o homem sempre agiria em acordo com circunstâncias que o levariam a tomar decisões apropriadas ou não ao momento. A liberdade existiria na escolha da decisão a tomar, sempre precedida pela circunstância.
Obviamente, nunca se chegava a um acordo de modo que após dez rodadas de chope, não havendo solução, pedía-se a décima primeira para o aclaramento das idéias.
Verdade que o bom Roberto viveu num mundo bem diferente do atual. Não chegou ele a conhecer a internet, nem fazer uso de celulares. O máximo tipo de controle sobre os cidadãos estaria no sonho do Grande Irmão do Orwell. Naquela época seria inimaginável que mesmo primeiros mandatários de países pudessem ser investigados por meios eletrônicos.
Ontem me vi diante de um caso no qual talvez se aplique o modo de pensar do Roberto. Um rapaz voltava de uma festa e errou o andar de seu apartamento no prédio em que morava. Obviamente estava bêbado. Tocou a campainha, forçou a porta e nada. Foi à portaria, retornou ao andar, insistiu até que o proprietário abriu a porta. Então o rapaz entrou no apartamento e recebeu tiros do propritário, um ex-policial aposentado, vindo a falecer.
Eis aí um caso no qual um homem teria reagido segundo a circunstância da invasão de seu domicílio. Para o Roberto inexistiria livre-arbítrio na ação. Foram os dois, assassino e o rapaz morto, vítimas de uma circunstância para a qual não restaria outra solução.
Na internet a notícia é acompanhada de opiniões dos internautas. Quase todos dizem que o ex-policial não teria outra alternativa ao ver sua casa invadida por um estranho em plena madrugada. Apenas um dos internautas fala sobre o fato do ex-policial ter aberto a porta após ver o rapaz através do olho-mágico. Outros destacam que nesses tempos de violência a reação do policial foi normal.
Pelo que me lembrei de um rapaz que, certa feita, praticamente invadiu o meu apartamento. Encolerizado, acusava-me ele de ter surrupiado o pneu velho que usava na garagem para evitar a colisão do carro com a parede. Aliás, não teria sido aquele o primeiro pneu que eu surrupiara. Assim, convertido em ladrão de pneus velhos, vi-me numa situação difícil. Obviamente, nenhum argumento faria sentido ao rapaz tão certo estava do que dizia. Acabei colocando-o para fora na base da gritaria e alguns empurrões. Mas, até hoje me pergunto no que teria dado aquela situação caso eu tivesse um revólver. O rapaz estava dentro da minha casa, assustando a família e completamente ensandecido. Vai saber.
Mas, afinal, as circunstâncias encerram o assunto?