O caminho dos livros
Morreu o Quintiliano. Morreu em 1995. Como sei? Para começar nunca conheci o Quintiliano ou ouvi falar dele. Acontece que ele era proprietário de um livro de autoria de Euclides da Cunha que, semana passada, comprei num sebo.
Pois no livro, na última página, há um selo colado onde se lê: acervo do Quintiliano; 1923-1995.
Pronto. Esclarece-se o mistério. Desaparecidos o Euclides e o Quintiliano, a bola da vez passo a ser eu. Ou me desfaço do livro – e passo a outro o final dessa história – ou o mantenho comigo até o fim esperando que alguém, após a minha morte, coloque na última página o meu nome e as datas do meu nascimento e óbito.
Os livros seguem caminhos estranhos. Nós que os amamos apegamo-nos a eles e os mantemos nas estantes, orgulhos por possuí-los. Vez por outra abrimos um livro, lido e relido, e extraímos dele ainda que só uma frase. É por isso que os escritores nunca morrem de verdade, eles deixam traços de seu pensamento espalhados por aí, em lugares que jamais estiveram.
Os leitores? Ah, esses morrem definitivamente. Às vezes, raramente, recebemos notícias sobre alguns deles, como agora fiquei sabendo sobre o Quintiliano que lia Euclides.
Quando os leitores morrem seus livros finalmente se libertam: muitos vão para as ruas, tomar chuva em alguma garagem ou parar num sebo onde, placidamente, aguardam que alguém se apaixone por eles.