A primavera
Cá entre nós este não é um ano para se ter primavera. Primavera: flores, luz, alegria. Estação que mata o inverno a golpes, soterra a tristeza dos dias nublados, irradia corações, dispara a máquina da esperança. A primavera marca a redenção do homem com o meio através da beleza impactante das flores.
Pois. Eis que a primavera chegou no meio da semana, discreta, imperceptível. Veio como que caída por acaso, obedecendo apenas à injunção do calendário. Apareceu com ares de visitante obrigado a compromisso inadiável, como aquele convidado que vai chateado a casamento ao qual não pode faltar de jeito nenhum. Talvez a primavera tenha ponderado, no grande encontro das estações, que neste ano, especificamente neste, o melhor seria ela não aparecer. Assim, do inverno saltaríamos para o verão e ninguém perceberia. Com tanta coisa a ser reclamada, com crises para todo lado, quem se lembraria da ausência da primavera?
Entretanto, nós a esperávamos. Ansiávamos pelo perfume das flores, pelo brilho do mato muito verde, pela revolução da natureza que se abre de repente e nos contagia. Precisávamos tanto da primavera que viria para aplacar pelo menos um pouco o desconforto dos dias tristes que seguem, tempo de incertezas, de futuro insondável, de desesperança.
Mas, que fazer se a primavera é tão sensível? Que fazer se ela se apercebe das nossas dificuldades e se retrai? Por isso foi assim, por isso essa primavera meio indiferente, tão estranha pelo menos aos nossos olhos.
Mas, não nos esqueçamos de que a primavera é pujante. Mais dia, menos dia, quem sabe ela se anima e passa a vibrar com o antigo vigor. Precisamos que seja assim. Afinal, dependemos da primavera, não é possível sobreviver sem ela.