O velho do ponto
O velho parado no ponto de ônibus trazia no olhar o desencanto pela mesmice. Para ele o mundo talvez não mudara nada nos últimos 50 anos. As pessoas que passavam por ali seriam as de sempre, seres humanos, simplesmente. O olhar do velho não era de julgamento: mostrava o desinteresse por um mundo no qual deveria seguir vivendo apesar do enfado. Talvez não ansiasse pela morte. Aceitaria o enigma da existência sem questioná-lo.
Mas, por que estaria o velho ali, àquela hora, parado no ponto por onde nenhum ônibus passaria? Não saberia ele que o ponto fora desativado desde que a engenharia de tráfego da cidade mudara o sentido do trânsito? Não fora informado de que o novo alcaide, um rapaz reformador, parecia tirar da cartola mudanças radicais que geravam protestos como aquele na ponte no qual uma moça fora atingida e morrera?
O velho parado no ponto talvez fosse insensível às notícias recentes. Seu olhar traduzia a amargura de acontecimentos passados e talvez não tivesse mais força para novidades.
Foi assim que eu o vi. De dentro do carro encarei o velho. Tamanha impressão me causou seu rosto que suspeitei que, talvez, não fosse real. Velho imaginário, então? Ou seria a minha própria imagem, parte do que fui sou e serei?
Tenho passado pela mesma rua regularmente. Não encontrei mais o velho. Aliá, nem o ponto de ônibus que, pensando bem, talvez nunca tenha existido.