Encontro casual
Só reparei que o homem atrás da mesa tinha aspecto que me era familiar algum tempo depois. Antes, enquanto esperava para ser atendido, o sujeito me pareceu um desses funcionários públicos de comportamento pouco amigável. Era desses caras ciosos de seu dever que pouco se importam com os problemas dos contribuintes a quem atendem.
Eu recebera uma notificação de multa, por isso estava ali. Ao me sentar passei ao atendente os meus dados e, para a minha surpresa, ele me olhou com alguma curiosidade. Depois disse que talvez tivesse me conhecido quando menino pois meu nome não lhe soava estranho. Assim, conversa vai, conversa vem, descobrimos que éramos oriundos da mesma cidadezinha do interior. Mais: o funcionário era filho do falecido Pereira a quem conheci muito bem.
Então ele era filho do Pereira. Coisa estranha encontrá-lo. A primeira coisa que pensei é se ele saberia da história do casamento de seus pais. O Pereira fora um fazendeiro de posses que se apaixonara por uma bonita moça que viera para trabalhar na escola local. A moça era professora o que, naquela época e região, a tornava bom partido: tinha emprego e ganhava bem. Mais que isso, a moça dizia pertencer a família endinheirada da qual seria herdeira. Prato feito para o Pereira que naquela época já passara dos 40 anos de idade.
Para encurtar a história os pombinhos não perderam tempo e se casaram. Amores de parte, bom negócio para ambos. Bom negócio? Não demorou para que a realidade se impusesse ao casal. Na verdade o Pereira omitira sua atual condição financeira. Já não tinha terras e estava quebrado. Quanto á professora, nada de família endinheirada. De modo que outra opção não tiveram que a de levar a vida em frente, enfrentando os percalços.
Desse tempo me lembro bem do Pereira a quem encontrei já morando em outra cidade. Era um homem magro, algo imponente, com a barba sempre por fazer. Trajava um terno surrado mas, mantinha o jeito da antiga realeza de proprietário de fazendas com muitos empregados. Quando cruzei com o Pereira ele já passar dos 60 anos e eu teria uns 20. Ao me ver ele me abraçou, perguntou de meu pai e conversamos animadamente sobre conhecidos comuns. O forte abraço na despedida pareceu-me um tanto exagerado, hoje entendo que se tratava de algum tipo de reconciliação do Pereira com o passado.
No fim das contas, na repartição a que fora tinha, bem à minha frente, o filho daquele louco casal que se metera na dura batalha pela sobrevivência cheio de esperanças que, afinal, foram fraudadas. Obviamente, não tive coragem de perguntar nada ao filho do casal. Através dele apenas soube que seus pais há muito haviam falecido e, só depois disso, tratamos do motivo que me levara até lá.
Na rua, depois de sair, lembrei-me do Pereira e da mulher e na luta deles. A morte que tudo encerra havia levado aquelas pessoas e apagado os sinais que deixaram no mundo. Exceto aquele filho que permanecia, atrás de uma mesa, ele tão parecido com o pai no seu modo de ser e falar.