Marcel Gontrau
Recebo carta com selos no envelope. Dois deles, R$ 1,50 cada um, trazem um aviso: obra desaparecida. São selos pequenos e faço uso de uma lente para observar as imagens: trata-se de um quadro de Portinari denominado Marcel Gontrau. O que se vê é um homem ao piano e uma mulher à sua frente, mãos unidas como numa oração, cantando.
Pela Internet fico sabendo que o quadro original tem 25,8 X 18,5 cm e foi desenhado com grafite, caneta tinteiro e crayon colorido sobre papel.
Pessoas e coisas simplesmente desaparecem nesse louco mundo em que vivemos. Outro dia vi na TV uma mãe que se afastou da filha por meio minuto e nunca mais a viu; quadros são roubados de museus e somem; a beleza das igrejas de Minas Gerais sofre ataques incompreensíveis para quem ama o barroco e o Brasil.
E pensar que houve uma ocasião na qual Portinari concebeu e executou o seu Marcel Gontrau. Criador e criatura estiveram juntos, integrados, até que se separaram. Candido Portinari morreu em 1962, vítima de progressiva intoxicação por tintas. Pode ser que Marcel Gontrau ainda exista, talvez na parede da casa de um colecionador que o adquiriu no câmbio negro. Se for assim, piano e voz diariamente executam árias sem sentido: seus recitais mudos foram concebidos para as platéias que desfilam frente aos quadros em museus, platéias que ouvem e aplaudem ritmos do silêncio que só a verdadeira arte pode inspirar.
Se você encontrar o quadro estampado no selo, liberte-o: ele pertence aos nossos sentidos.