Indignação
Tal a voragem de notícias que só resta o atordoamento diante de tanta confusão. As coisas mudam a cada instante. Idas e vindas, pronunciamentos, revelações, novas versões, nesta “Terra do tudo pode” onde os freios acionados parecem não ter forças para conter tanta corrupção. A TV da sala converteu-se em nada mais que um esgoto de onde brotam conteúdos cujos odores são insuportáveis. Já não se aguenta mais tudo isso.
Mas, existe o outro lado. Existe a vida comum, a trajetória do cidadão desconhecido, aquele que rala todo dia pra levar para casa pelo menos o mínimo necessário a si e aos seus. É o caso desse motorista de táxi com quem o passageiro se encontra ,fortuitamente, e dele ouve histórias que poderiam pertencer a qualquer cidadão.
O táxi é velho, o homem ao volante parece dirigi-lo com raiva. É um homem alto, de meia idade, atento ao trânsito contra o qual, vez ou outra, pragueja baixinho. A certa altura, depois da travessia do canal, o telefone toca. O motorista atende, ouve a alguém que fala e praticamente não responde. Antes de desligar avisa que logo estará em casa, vai achar um jeito.
Pelo retrovisor o passageiro vê parte do rosto contraído do homem a quem não conhece. Dá-lhe vontade de puxar conversa, mas o motorista começa primeiro. Fala sobre a saúde da mulher que tem doença grave, mas está em casa porque não se consegue internação em hospital. Explica que até a pouco a família tinha plano médico, mas com a crise tornou-se impossível continuar. Relata que passara a madrugada num Pronto-Socorro com a mulher, esperando por atendimento. Ao amanhecer desistira e voltara para casa: a multidão que aguardava as chamadas era numerosa demais.
Não será preciso repetir os detalhes relatados sobre a precariedade de recursos e a luta pela sobrevivência desse homem que se agarra ao volante como se pudesse dirigir para outro lugar, outro planeta talvez.
Quando a corrida termina o motorista recebe o dinheiro e destrava a porta. Ao se despedir comenta que não consegue entender direito o que se passa. Diz que ouve falar sobre o desvio de milhões e milhões, muito dinheiro que bem usado poderia melhorar a vida de gente como ele e sua família. Não consegue entender como para ele o dinheiro tem que ser conquistado a duras penas, honestamente, enquanto que muita gente o consegue através de roubos e desvios. Nesse momento vira-se e o passageiro se defronta com a face de um homem indignado.
O passageiro desce do carro e para na calçada, observando o homem que se afasta, desaparecendo. Por alguns instantes pesa ao passageiro a dor do outro, mas é só mesmo por alguns instantes, porque a vida segue e nada se pode fazer quando ase vive num país mortalmente ferido pela corrupção.