Controlando o medo
Não sei se ainda se educam crianças na base do medo. Será lamentável se assim for. Quando criança meus medos relacionavam-se a possibilidade de encontrar almas do outro mundo. Medo de fantasmas, portanto. Acrescidos de medos de personagens fantásticos como vampiros e lobisomens. Filmes de vampiros, em preto-e-branco, causavam-me arrepios. Mas, para que assistir se só faziam alimentar o medo? Acontece que o medo atrai. Dele nasce o conflito entre o provável e o improvável. Os filmes de terror usam e abusam de clichês muito conhecidos. Aquela mulher frágil a quem acompanhamos, circulando numa casa escura e vazia, que adentra um cômodo no qual o horror fatalmente a espera, ela somos nós diante de nossos medos, atraídos pelo insondável que queremos evitar, mas ao qual somos levados pela curiosidade.
Agora divulga-se que a drª. Merel Kindt, da Universidade de Amsterdã, encontrou um meio de apagar as memórias do medo. Como se sabe as memórias nada mais são que circuitos neuronais que se tornam cada vez mais fortes cada vez que entramos em contato com o fato que proporcionou as ligações entre os neurônios que os formam. Acontece que no momento em que algum fator os estimula - o novo contato com algo de que se tem medo, por exemplo - esses circuitos se tornam temporariamente instáveis. A técnica da drª. Kindt consiste em utilizar a conhecida droga propranolol, justamente nesse momento de instabilidade para bloquear o circuito do medo.
A drª. Kindt reuniu um grupo de pessoas com medo de aranhas e testou com elas o efeito de sua tese com o propranolol. Incialmente essas pessoas foram colocadas em contato com uma tarântula e, obviamente, não se aproximaram dela. Estava dado o estímulo inicial para desestabilizar o circuito do medo de aranhas. Então procedeu-se à ingestão do propranolol. Os resultados foram os esperados: as pessoas perderam o medo de aranhas e aproximaram-se das tarântulas, algumas delas chegando a tocá-las.
O propranolol é um betabloqueador que age no coração e na circulação, sendo usado para dores no peito (angina), pressão alta e outras situações. Note-se que em sua experiência a drª. Kindt fez uso de dois grupos de controle que também tiveram contato inicial com as aranhas, mas não receberam posteriormente o propranolol. Os membros desses grupos de controle continuaram com seu medo de aranhas, diferentemente dos que receberam o propranolol.
De modo que existe um meio de zerar certos medos que temos e muitas vezes levamos por toda a vida. Conhecemos, por exemplo, pessoas que de modo algum dormem no escuro, outras que temem encontrar-se com mortos e assim por diante. Seria interessante submetê-las ao apagamento de suas memórias relacionadas a medos específicos através do uso do propranolol.
Sinceramente, não sei se ainda me resta algum medo de vampiros, mas não custaria assistir a uma daqueles horríveis filmes com o Bela Lugosi ou o Peter Kushing - em preto-branco – no papel de vampiros para reestimular os circuitos dos meus medos e apagá-los com um comprimido de propranolol. Quem sabe…