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A sessão “Mortes”

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De poucos anos para cá não deixo de ler a sessão “Mortes” dos jornais. Os obituários passaram a me interessar e me pergunto sobre a razão. Fulano de tal tinha tantos e tantos anos e será enterrado em tal cemitério. Em alguns jornais publicam-se informações sobre a trajetória de vida de algum dos falecidos. Nasceu em tal cidade, imigrou ou não para o Brasil, fazia isso ou aquilo, tinha bons amigos, empenhava-se em tal atividade, deixou viúva e filhos. Pequenas histórias sobre a vida de pessoas em geral desconhecidas que no fundo funcionam como sinal para os vivos: um dia tudo acaba.

Percebo que o que mais interessa nos obituários é a duração da vida. Quantos anos esteve entre nós aquela senhora desaparecida ontem? Estamos morrendo mais tarde como dizem os que alertam sobre o envelhecimento da população? Estarei entre os que partem mais cedo ou terei, ainda, pela frente uns aninhos?

É certa intolerância em relação ao embarque no barco de Caronte o que me move a buscar notícias sobre a morte. Não tenho a menor ideia sobre a vida das pessoas que desertaram do planeta. Mas eles me atraem, talvez pela parceria de condição. Vivemos como se a vida jamais tivesse fim. Conheci doentes terminais que, no leito de morte, clamavam pelo destino de seus negócios. O vínculo da vida é forte, muito forte. Num jogo sem saída, no qual ou se vive ou se morre, não resta lugar para ilusões. É viver ou morrer.

Muito raramente topo num obituário com o nome de alguém que posso ter conhecido. Nesses anos descobri em obituários de jornais dois nomes de pessoas a quem de fato conheci, uma delas meu colega de bancos de faculdade. Mas, de que teria morrido ele? Tinha a minha idade, levara-o a doença? Um acidente? Vítima de um crime? De que morrera aquele colega de tantos anos com quem eu perdera o contato e de repente o reencontrava num anúncio para a missa de sétimo dia?

Através de outros amigos vim a saber que o colega tivera vida profícua, destacando-se em seu âmbito profissional. Entretanto, o mesmo não ocorrera em sua vida particular. Circunstâncias desconhecidas agravaram seu estado psíquico, levando-o ao suicídio. Entretanto, não soubera como dar fim à vida, sobrevivendo à tentativa e ficando em estado vegetativo. Permaneceu assim durante alguns meses até sua morte vir publicada no jornal.

Houve tempo em que pensei na morte. Se acordava de madrugada sempre me entregava à suposição sobre o tempo que me restava de vida, a possível circunstância da minha morte e o sofrimento. Lembrava-me de meu pai morrera quase que instantaneamente enquanto minha mãe sofrera durante alguns anos até o seu óbito.

Hoje em dia a morte não mais me preocupa. Não tenho medo de morrer. O fim da vida parece-me algo natural e nem mesmo vejo razões para preparara-me para o fim. Acontecerá, sei lá quando, e ponto final.

Então, por que a atração pelos obituários? Não sei. Pergunto-me sobre o meu possível interesse caso houvesse nos jornais a sessão “nascimentos”. Lembro-me de que, no passado, alguns órgãos de imprensa publicavam notas sobre a vinda ao mundo da criança tal, filha do ilustre casal tal etc. Mas, teria eu interesse sobre esse assunto?

No fim das contas é a proximidade da morte que começa a governar nossos passos cada vez mais claudicantes. Não é bom racionalizar o assunto, exagerar sobre o inevitável. Mas, não deixa de ser estranha a sensação de que nos aproximamos cada vez amis do fim, que tudo que somos a acreditamos ficará encerrado sob uma lápide. Ou num cantinho de jornal.

Escrito por Ayrton Marcondes

12 agosto, 2016 às 12:37 pm

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