Chega o dia
Não adianta: todo mundo morre. Hoje mesmo noticia-se que o ator e diretor Nelson Xavier faleceu. Vitimou-o o câncer aos 75 anos. Ficam suas interpretações como Lampião, Chico Xavier e tantas outras. Mas, foi-se.
A morte sempre à espreita. Damos-lhe as costas. Não nos interessa. Nada a tratar com ela. Que circule por aí, levando gente, mas o mais longe possível de nós. Afinal, quem a quererá por perto?
Converso com uma senhora de 85 anos de idade. Reclama que as pernas não têm força e mesmo com o andador a locomoção está difícil. Já caiu algumas vezes e deu sorte por não ter quebrado nada. Além do que a memória já não é mais aquela. Os esquecimentos acontecem cada vez mais a ponto de não reconhecer certas pessoas. Mas, se eu a conhecia tão bem?
Outro dia a senhora me disse não conhecer pessoa com quem gostaria de se encontrar. Disse-lhe que na verdade a tal pessoa era sua conhecida e ela protestou: nunca pusera os olhos naquela mulher. Pois. Acabei mostrando foto da tal mulher abraçada com a senhora. Ela rendeu-se à evidência. Acreditava em mim, não seria fotomontagem. Ainda assim não se lembrava da mulher.
Na conversa citei o fato de que nos EUA estão testando um derivado da maconha com resultados benéficos para a reativação de memória em idosos. Mal ouviu a senhora protestou: maconha de jeito nenhum, é contra a minha formação. Em vão falei sobre a maconha medicinal. Ela resistiu. Além do que a droga ainda nem foi aprovada e não existe no comércio.
O que a senhora não admite é que, para ela, o cerco da morte pesa cada vez mais. Ela diz que pouco se importa com o momento em que deixará o mundo. Pede apenas para não sofrer. Acredita em Deus e a Ele pertence não só sua vida como o momento de deixá-la. Entretanto, embora negue, a senhora agarra-se à vida. Depois da morte, o insondável. Quem não se preocuparia?
Vejo a senhora em seu andador, distanciando-se. Morosa. Certa de que o relógio do tempo trabalha contra ela, cada vez mais agressivamente. Sua hora haverá de chegar. Não há como evitar a aproximação do fim do túnel, o escuro..
Tenho vontade de dizer a ela: todo mundo morre. Mas, me calo.