Dia das mães
O bonde do meio-dia já tinha partido de modo que não havia mais como ver minha mãe no dia dela. Eu não fora. Simplesmente. Passara a manhã na dúvida. De um lado a namorada de quem não queria me separar. A namorada ali, perto de mim. Minha mãe distante. Teria sido pegar o bonde na estação de trens e seguir serra acima. Até desembarcar e pegar o ônibus que cumpria os últimos 4 km. Depois disso minha mãe estaria onde sempre esteve, no mesmo lugar onde ainda se encontra hoje, passados quase trinta anos de sua morte. Para mim mamãe nunca saiu daquela casa de esquina, do quarto ensolarado, da cozinha com fogão a lenha. Não importa que o tempo tenha passado. Nem importa que a casa de esquina já seja outra. Aquele lugar pertence a minha mãe, será dela enquanto o mundo for mundo. Ponto final.
Entretanto, havia um problema. Era dia das mães e eu tinha que ligar para a minha mãe. Desculpando-me. Mas, como telefonar se, àquela altura, ela já estaria esperando pelo ônibus do qual eu desceria e a abraçaria?
Pensei que o melhor seria ligar logo, evitar que ela esperasse em vão, evitar a decepção. Mas, e a coragem? Naquela época estávamos ainda distantes desse tempo de aparelhos celulares de cuja futura existência nem ao menos desconfiávamos. Restavam-me os orelhões da rua e as ligações a cobrar. Muitas vezes tirei o fone do gancho só para devolvê-lo ao seu lugar. Coragem. Até que me decidi, fiz a ligação. Meu irmão atendeu. Foi logo dizendo que a mãe estava esperando.
Na vez dela expliquei que não pudera ir. Ela ouviu em silêncio. Depois disse algumas coisas bem triviais. Despedimo-nos, afetuosamente. Ficou a voz dela. Não há dia das mães em que não a ouça de novo, perdoando-me pela ausência. Minha mãe fala comigo, ano após ano, pelo telefone. Já não tenho coragem de mentir. Tento dizer a ela que não fui porque estava com a namorada. Mas, é inútil. Minha mãe decerto me perdoa, mas mãe que é, conhece bem a verdade. E o filho.