Garrincha
Vi Garrincha jogar o que não é pouco. Melhor dizendo: tive o privilégio de ver Garrincha jogar.
As gerações mais recentes não tiveram a oportunidade de ver o Mané em ação. Dispõem de vídeos sobre o jogador atuando, mostrando seus dribles desconcertantes. As pernas tortas faziam a loucura dos defensores. Os jogadores da seleção russa, derrotada pelo Brasil em 58, diziam que não só nunca tinham visto como não entendiam o que fora a atuação de Garrincha naquele jogo. Um dos laterais russos confessou ter pensado em não jogar mais futebol: jogar não era o que ele fazia em campo, mas sim o que Garrincha era capaz de fazer.
Irreverente, genial. Destruidor de defesas contrárias. Imprevisível. Proprietário de familiaridades com a bola não acessíveis aos seres mortais. Por isso foi único. Nenhuma genética, nenhuma máquina, será capaz de gerar outro Garrincha. O molde que o fez quebrou-se após gerá-lo. As incríveis pernas tortas não foram e jamais serão novamente produzidas. Garrincha terá sido um capricho dos deuses. Não era desse mundo. Viveu e jogou para trazer alegria a milhões de brasileiros que o idolatravam. Esquecido de si mesmo, fez o que sabia fazer e desencontrou-se com o mundo quando as pernas não o deixavam mais exibir sua arte. Já não podia mais jogar, nem ouvir o carinho das torcidas. Então entregou-se a um caminho espinhoso que o levou à morte precoce. Garrincha nasceu para viver dentro das quatro linhas. Fora delas inexistia, daí seu infortúnio.
Fora dos gramados o herói deixou herança confusa. Folclórico até depois de sua morte, vez ou outra Garrincha reaparece nos noticiários envolto em brumas de informações contraditórias. Agora surge uma de suas filhas a declarar que os restos mortais do pai haviam desaparecido do Cemitério Municipal de Raiz da Serra, distrito de Pau Grande, em Magé, onde o ex-jogador foi enterrado, em 1983.
A notícia nos comove. Impossível aceitar tal descaso em relação a um ídolo nacional. Entretanto, dois dias depois, aparece um neto de Garrincha para garantir que o avô se encontra na cova de sempre, um pequeno túmulo de onde seus restos mortais nunca foram removidos. Mané está seguro, portanto.
Passados mais de trinta anos do desparecimento de Garrincha seu nome ainda causa comoção. Se você nunca o viu em ação dentro dos gramados, assista a algum vídeo que o mostra destruindo defesas de seleções e times de futebol. Ficará com algumas imagens, pálidas é verdade, mas as que restam sobre a carreira do gênio. Para nós, mais velhos, o Garrincha sempre será aquele monstro que nos levava à loucura ao ouvir, pelo rádio, suas impressionantes jogadas nas Copas de 58 e 62. Ou o mágico da bola que vimos em ação nos estádios.
Na verdade Garrincha nunca morreu. Foi tirado do mundo para encantar com suas jogadas os deuses que sempre reclamaram da permanência dele entre nós.