Manhã de domingo
Domingo de maio. Manhã como a do poema de Cassiano Ricardo: nítida como um caco azul de garrafa no muro.
Um senhor pergunta à vendedora de flores a direção da praia. Ela se volta e aponta o mar alvíssimo. Um homem observa, calado, capas de revistas com mulheres nuas expostas na banca de jornal. Duas moças passam com cães enormes que mal conseguem segurar. O motorista de táxi dorme na direção de seu carro enquanto espera um passageiro que tarda a aparecer. Na orla da praia velhos e moços exercitam-se, aspirando o ar puro da manhã.
Os sinos de uma igreja próxima dobram chamando os fiéis para a missa. As badaladas evocam outros sinos, inclusive os da igreja barroca de São Francisco de Assis, em São João Del Rey, em cujo cemitério repousa Tancredo Neves, velando pelo Brasil.
É nesse mundo de calma absoluta que um motoqueiro avança o sinal vermelho e atropela uma idosa. De repente, tudo começa a se mover depressa, pessoas se agitam, há trânsito, buzinas ecoam e mesmo o mar parece empalidecer.
Agora os sinos já não dobram e um desenho escarlate impregnou-se no asfalto, emoldurando tristemente a cabeça da mulher morta.