O inferno é aqui mesmo
O medo do inferno fazia parte dos meus horrores ao tempo de menino. Na igreja o padre alertava-nos sobre os perigos do pecado. Morrer em pecado significava a condenação para arder nas chamas do inferno por toda a eternidade. Devassidão, bebida e a prática do mal estavam entre os grandes pecados que poderíamos cometer. Para evitá-los muita fé, oração e determinação.
Por detrás disso tudo a enigmática figura do diabo. O decaído que se revoltara contra o Criador e fora desterrado para o inferno nada mais fazia que maquinar toda sorte de tentações contra as quais os pobres mortais pouco podiam fazer. Como resistir às tentações da carne durante a explosão hormonal imposta pela adolescência? Como tornar-se infenso às tentações do mundo?
Escapar a tudo isso figurava-se tarefa impossível. Nesse estranho jogo as melhores cartas estariam mesmo nas mãos do Capeta. Mas, havia uma curiosa solução. Muitas vezes ouvi que o problema maior seria morrer em pecado. Arrependimentos sinceros pouco antes da morte significariam a possibilidade de perdão e abririam o caminho para o céu. Essa hipótese, simplista é verdade, servia-nos como socorro, última chance antes de ser fuzilado no paredão. Era assim.
Não sei dizer como andam hoje em dia as recomendações religiosas em relação ao pecado. Entretanto, é crescente o número de adeptos a outras crenças que não a católica romana. Além do que muita gente tem vindo a público para dizer-se ateu.
Não é o caso de aqui se discutir a eterna questão da existência de vida após a morte. Exista ou não, há quem afirme que “o inferno é aqui mesmo”. Ou seja: “aqui se faz, aqui se paga”. Será?
Se observarmos o mundo atual fica difícil acreditar nisso. Não há como não reconhecer a maldade intrínseca ao ser humano. Diariamente recebemos notícias de ações ultrajantes com profundo desrespeito à vida. Um bando que invade uma casa e barbariza a família que nela reside, tantas vezes foge impune. Pagarão? Às vezes alguns com a própria vida durante a prática de outros crimes, alvejados pela polícia.
Mas, há o caso de gente que, vida afora, serve-se da arrogância, da perseguição, do embuste, enfim de maldades que afetam duramente a vida daqueles que com eles convivem. Superiores que tornam um inferno a vida de seus comandados. Então pergunta-se: para esses existe algum tipo de pagamento aqui mesmo, antes da morte?
Ficaríamos nisso durante muito tempo sem obter consenso ou definição. Mas, não deixa de ser estranho quando conhecemos alguém que não se esmerou em ser razoável, sociável e bom sujeito ao longo de sua vida. De repente, tudo vira, inexplicavelmente, para esse tipo de pessoa. Saúde abalada, sofrimento, problema familiares e por aí vai. Será que, pelo menos para esses, o inferno é aqui mesmo?
Minha tia sentenciava: “o inferno é aqui mesmo”. Pelas dificuldades por que passou deve ter morrido convencida disso.