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Fotografias antigas

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Recebo, via e-mail, fotografia de tempos passados. São pessoas defronte uma igreja, cada uma portando um instrumento musical. A banda é pequena, são poucos músicos. A pessoa que me envia a foto pergunta se reconheço os músicos. Passo algum tempo observando as faces em preto-e-branco. Até que reconheço dois deles, aliás irmãos. O mais alto trabalhava como ajudante de pedreiro e jogava na ponta esquerda do time reserva - o segundo quadro - do esquadrão local. O mais baixo foi, vida afora, um tipo encrencado. A mãe dele tinha um pequeno cinema que exibia filmes nos fins de semana. Bancos de madeira, tela pequena, por ela desfilavam John Wayne ou outros stars americanos. Mas, o filme era de celulose e, vez ou outra, arrebentava em meio à sessão. Só o baixinho sabia colar as partes e dar seguimento a diversão da plateia. Mas, ele era encrencado… Convencê-lo a consertar o filme era um grande problema.

Reparo nos outros, em vão. Vou desistir, mas sou salvo pela memória. Está ali um pedreiro que construiu casas do lugar. Ao lado dele um rapaz que se casou com moça simpática, mas acabou se entregando aos braços de uma amante. Esse rapaz costumava beber e a sorte foi a ele madrasta. Por volta dos 30 aconteceu-lhe um derrame que o fez incapaz. Então a amante caiu fora. O incrível é que a mulher, a quem abandonara, enterneceu-se com a situação do ex-marido. Trouxe-o para casa e cuidou dele até que a doença o levou.

Todos mortos. Histórias de vida posteriores ao momento em que foram flagrados defronte a igreja. As fotografias têm o dom de eternizar não só momentos, mas, também, memórias. Assim como eu ainda existem por aí uns poucos capazes de reconhecer aquele pequeno grupo de mortos. Mas, não se passará muito até que também estejamos desaparecidos e ninguém se lembrará dos moços da fotografia, os jovens algo sérios, compenetrados em seu ofício de participar de uma banda.

Fotografias antigas vez ou outra saem de sua reclusão como a solicitar que os mortos nelas impressos sejam relembrados por alguém. Diziam os mais velhos que isso não acontece por acaso. Quando uma gaveta é aberta, depois de muito tempo, e alguma fotografia dela é destacada isso aconteceria com propósito certo. Seriam os mortos a decidir para que mãos suas imagens deveriam ser encaminhadas. A ser isso verdade sempre restará aos desparecidos um sopro de vida a iluminar suas sombras no território da morte.

Escrito por Ayrton Marcondes

1 agosto, 2018 às 2:43 pm

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