Depressão
Amigo confessa depressão. De tempos para cá a vida parece a ele ter perdido o sentido. Pequenos problemas o estafam demais. Os grandes, então…
Não tem vontade de sair de casa. Passa horas mirando o vazio. E os parentes o aborrecem. Essa turma tem problemas que não resolvem e jogam tudo pra cima da gente. Você passa dos 70 e a turma parece não se dar conta disso. Encaram a gente como se ainda tivéssemos 30, expostos ao de der e vier. Simplesmente não é mais assim, mas não acreditam.
Isso sem falar nas dificuldades para vestir meias e amarrar sapatos. Abaixar é um problema. E a próstata. Ah, a próstata! Fazer xixi aos trancos é demais. Cadê o velho e bom jato que jogávamos na privada sem dó? Agora essa dificuldade.
Sem falar nos desacertos da saúde. De tempos para é um tal de repetir exames para controle do estado geral. O diabetes apareceu há alguns anos, mas, volta e meia, a glicemia chega perto dos 300…
A dor nas costas nem é novidade. Ela já vem de longe, mais discreta que agora, é verdade. Mas, tem piorado. Dor nas juntas. E a falta de sono? Andar de madrugada pela casa às escuras. Cismar que das sombras os mortos o espreitam. Não é que já tentou falar com um deles, esperando que, lá do outro lado, responda ao contato.
O amigo afirma, categoricamente, não ter medo da morte. Quando vier será benvinda para pôr fim a essa agonia.
Está tomando antidepressivos e calmantes, esses para dormir. Se não toma não dorme. Quando toma ferra no sono. Profundamente. Mas, a mulher reclama porque ele ronca. Não roncava antes, agora é por causa do remédio.
Reparo que o amigo está lento. Move-se devagar, passos arrastados. Voz rouquenha, fala mansa. Do que mais reclama é da queda na parte sexual. De tempos para cá nem com Viagra. Ah, o sexo.
Não é o homem que conheci. Não faz muito era um sujeito ágil, bem-falante, alegrão, contador de casos. Mulherengo. Sempre com mais uma conquista a relatar. Desses. Mas, a vida não perdoa. Ele sabe que acaba de entrar no funil que conduz para o depois. O que será esse depois é mistério reservado a todos humanos que trafegam em direção ao fim.
A vida se torna incerta quando se encara o fato de que nada se sabe sobre o amanhã.