Na velhice
No consultório a médica me pergunta como me sinto em relação a minha idade. Penso para responder. A médica é jovem, tem a vida frente. Já fez toda anamnese e termina o inquérito com essa pergunta. Olhamo-nos. Antes que eu diga qualquer coisa ela acrescenta que não aparento a idade que tenho. Será?
Respondo, finalmente, ora, que me sinto muito bem. A idade não me preocupa. Deixei de correr depois da cirurgia de coluna, mas sigo andando uns bons quilômetros. Digo que, o problema é não considerar que estou velho. Ela me interrompe: mas isso é bom. Numas, afirmo. Por exemplo: deveria lembrar da minha idade ao atravessar ruas de grande movimento; mais cuidado ao dirigir porque não tem jeito, os reflexos já não são os mesmos.
Mas, tem gente de mais de 70 que se entrega à velhice, o que é pior. Um conhecido recolheu-se à sua casa e chora muito. Exagerou no cigarro e no álcool e sua saúde não é lá essas coisas. Mas, o diabo é a depressão. A depressão traz tristeza e lágrimas. Chora-se pelos erros do passado, pelo que poderia ter sido realizado, por tanta coisa. Incrível como as coisas boas do passado parecem perder o peso. Parece até lavagem cerebral o fato de se lembrar apenas de coisas depressivas.
É certo que incomoda - e muito - a falta de perspectivas em relação ao futuro. Depois dos 70 o futuro é nublado. Não se sabe até onde a vida seguirá. Mas, e daí? Tem gente que fica sentada, esperando a chegada da morte. Bobagem. Digo isso à médica. Ela sorri. Mas, não deixa de perguntar se não ando meio depressivo. Respondo que, para ser sincero, não tenho tempo livre para isso. Quem sabe, se ficasse mais em casa…
Saí do consultório e retornei ao meu mundo no qual não faltam problemas. Isso cansa. Confesso que imaginava situações bem mais calmas na velhice. Mas que fazer nesse mundo convulso no qual os atores que têm nas mãos o poder erram e erram? Quanto desgoverno mundo afora.
Ligo o computador. Abro um e-mail de um antigo colega de faculdade. Ele se deu ao trabalho de pesquisar o destino dos colegas da nossa turma. Éramos oitenta na formatura. De lá para cá dezesseis morreram. Pô! Incrível. Dezesseis? O que deu nessa gente para desertar sem aviso prévio.
Leio os nomes dos colegas falecidos. Nunca mais os vi depois da faculdade. Daí que guardo na memória as imagens deles quando jovens. Impossível que Fulano, jovem e forte nas minhas lembranças, tenha morrido. Não faz sentido. Pensando bem, talvez a vida não faça sentido.