1932
Da Revolução de 32 guardei as memórias de meus tios. Muitas vezes ouvi deles narrativas do período em que São Paulo se ergueu contra o governo federal do presidente Getúlio Vargas. As razões da revolta dos paulistas estão esmiuçadas nos trabalhos de vários historiadores. A indignação com a nomeação por Getúlio de um interventor para o Estado que não contava com a concordância dos paulistas está entre as razões da eclosão do movimento. O país não contava com uma Constituição. Inexistiam Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Para um de meus tios era emblemática a sangrenta noite na qual ocorreu o embate entre manifestantes paulistas e tropas federais ligadas ao Partido Popular Paulista (PPP). O evento, ocorrido em 23 de maio de 32, foi uma das razões que desencadearam a Revolução. Na ocasião aconteceu a tentativa de manifestantes de invadir a sede do PPP, localizada na esquina da Rua Barão de Itapetininga com a Praça da República. Os governistas reagiram com fuzilaria e granadas. Como não poderia deixar de ser do tiroteio restaram vítimas. Quatro delas, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, legaram as iniciais de seus nomes ao movimento que passou a ser conhecido como M.M.D.C. A sigla representava os mártires da causa Constitucionalista. A partir de 9 de julho o M.M.D.C. passou a recrutar voluntários para o combate, dando a eles treinamento, além de arrecadar fundos para o conflito.
Muitas vezes ouvi meu tio repetir os nomes dos rapazes mortos naquele 23 de maio. Repetia-os com emoção. Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo faziam parte do passado não só dele como do povo paulista. De minha tia ouvi sobre a participação das mulheres no conflito. Muitas delas trabalharam na indústria bélica, atuaram como costureiras, enfermeiras, enquanto algumas participaram diretamente dos conflitos.
Um de meus tios participou de combates. Era militar. Distinguiu-se por atos de bravura razão pela qual recebeu promoções em sua carreira militar. Isso soube através de minhas tias porque ele mesmo jamais falou sobre o assunto.
Distanciados em relação ao tempo em que os acontecimentos ocorreram restam-nos as novas interpretações dos acontecimentos que elencam, entre outros fatores, a atuação da classe dominante, as circunstâncias sociais, as dificuldades do trabalho e a incitação o brio dos paulistas. Entretanto, aos que tiveram oportunidade de conhecer pessoas que participaram do conflito restam memórias da emoção com que se recordavam daqueles dias. Mantinha-se naquelas pessoas o amor pelo Estado e a vigência do ideal constitucionalista.