O BR-800
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel teve e realizou o sonho de produzir um carro genuinamente nacional. Assim, em 1988, iniciou-se a produção do BR-800 ancorada na venda de ações. Os investidores pagavam 3000 dólares pelo carro e metade desse valor no investimento em ações.
Pode-se ler na internet detalhes da histórica aventura de Amaral Gurgel. A mudança dos valores de IPI, realizada em 1990, prejudicou a Gurgel e favoreceu a Fiat. Com a nova tributação - passou de 5 a 10% - o preço do BR-800 ficou muito próximo ao do Uno Mille, carro melhor e mais espaçoso. Em 1993 verificou-se a derrocada da montadora brasileira que, um ano depois, encerrou suas atividades, deixando enormes dívidas.
Fui usuário de um BR-800 que recebi de parente próximo, um dos investidores da Gurgel cuja fábrica ficava em Rio Claro. Por ocasião do lançamento oficial do carro fomos convidados à fábrica. Naquele dia preparou-se em Rio Claro, na sede da Gurgel, evento para lançamento do carro. Os novos proprietários receberam as chaves de seus veículos e participaram de um almoço junto a outros investidores. Foi nessa ocasião que conheci Amaral Gurgel, também presente, e orgulhoso por produzir um carro 100% nacional.
Impossível, naquela ocasião prever os dissabores que viriam pela frente em período tão próximo. Mas, voltei de Rio Claro dirigindo o BR-800 e posso dizer que mantive o carro por cerca de dois anos.
A bem dizer o BR-800 era de fato econômico, mas carecia de conforto e mostrava-se aquém das necessidades em estradas. Bastante compacto, o carro fora desenhado de modo que os vidros de suas portas não permitiam boa ventilação interna. Mas, era um carrinho muito útil para circulação nas cidades, fácil para estacionar em pequenas vagas.
Isso não quer dizer que não tenha realizado com ele algumas viagens. Numa delas, entretanto, as coisas não ficaram muito bem. Naquela época eu me deslocava semanalmente entre Santos e São José dos Campos. Fiz esse trajeto sem problemas algumas vezes com o BR-800. Entretanto, certa ocasião, trafegava pela Via Dutra quando ouvi barulho estranho no motor. Com dificuldade cheguei a São José onde levei o carro a uma oficina. Danificara-se uma peça do motor e, a partir daí tínhamos um problema pela frente.
A questão era de que a tal peça não existia no mercado e estava em falta na própria fábrica da Gurgel, conforme fui informaram em contato que fiz com os fabricantes do carro. Nesse caso a solução foi produzir a peça, serviço que tomou dois dias do trabalho de um torneiro mecânico. Muitos testes foram feitos quanto à adaptação da peça produzida até se conseguir resultado satisfatório.
Naquela oficina entendi a dimensão do sonho de Amaral Gurgel e as dificuldades de sua realização. Fabricar um carro 100% nacional e disponibilizar serviços ainda que no próprio Estado de São Paulo mostrou-se tarefa de difícil realização.
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel faleceu em 2009, aos 82 anos. Sofria do mal de Alzheimer. Destaque-se seu empenho e coragem ao assumir um empreendimento de grande envergadura na indústria automobilística brasileira. Foi um homem de visão que atuou num mercado dominado pelas empresas multinacionais, sem poder vencê-las.