Recomeço
O sino da Igreja de São judas não dobrou hoje às sete da manhã. Pelo menos não o ouvi. O pároco de São Judas celebra a primeira missa justamente às sete. Senhoras e senhores, fiéis de todas as manhãs, não deixam de comparecer. A maioria deles idosos. Aposentados. Donas de casa. Avôs e avós. Rezam para si e pelos seus. A devoção os ajudará na dura travessia dos derradeiros anos de vida.
Nunca fui à missa das sete. Ocasionalmente, acompanho minha mulher à igreja. Nas raras missas em que estou presente incomodam-me os sermões. Existe hoje a tentativa de gerar ambiente descontraído entre os fiéis. Já não se buscam os ensinamentos dos antigos sermões nos quais o texto do evangelho sobressaia-se ao restante das falas. A vida de Jesus plasma-se à experiência comum do hoje em dia. O mundo está mudado, outras são as inquietações. O que se busca é manter a fé a todo custo.
Mas o ano recomeça. Hoje, sexto dia de janeiro, é o Dia de Reis. Comemora-se a visita dos três reis magos ao recém-nascido menino Jesus. Melchior, Gaspar e Baltazar vieram do Oriente, trazendo presentes ao menino Deus. A data serve ao encerramento dos festejos natalinos. Desmontam-se as árvores de natal e presépios, guardam-se os enfeites que só voltarão a ser vistos no próximo natal.
Em meus tempos de menino o ritual do Dia de Reis era sagrado nas famílias. Não sei como se passam as coisas nos dias atuais. De todo modo frequentava-se a igreja, rezava-se aos reis magos convertidos em santos.
Não dá para falar em natal e Dia de Reis sem relembrar pessoas da família que a muito se foram deste mundo. Posso vê-los, na distância do tempo, seguindo os ritos em que acreditavam. Então a vida talvez parecesse a eles infindável. Não havia prenúncios de morte num ambiente caracterizado pela boa saúde e força para seguir em frente. Eis que aí estão suas faces, suas vozes perdidas que me alcançam aqui nesse ano que começa. E dizer que se foram, não existem mais. Deles restam pálidas lembranças às quais raramente volto, em ocasiões como essa.
Inaugura-se o novo ano e nada abemos sobre as surpresas que nos são reservadas. Cabe-nos imitar nossos antecessores, acreditando na vida infindável e sem prenúncios de tragédias. Um dia, no futuro, alguém talvez se lembre de nós e escreva coisas muito semelhantes a essas que compõem esse texto. Alguém se lembrará de nossas vozes?