Vida e morte
A cada dia recebemos estatísticas sobre o número de óbitos provocadas pelo Covid-19. No país mais de mil pessoas morrem diariamente infectados pelo terrível vírus. Mas, muita gente parece não se importar muito com isso. Basta sair às ruas para encontrar pessoas circulando sem tomar os mínimos cuidados de preservação contra a doença. Sendo recomendado o uso de máscaras que tal prendê-las ao pescoço, deixando-se livres a boca e o nariz? Assim, o cidadão cumpre sua obrigação de usar máscaras, mas do jeito dele.
As estatísticas de mortes são impessoais. Morreram mil pessoas que não conhecíamos no dia de ontem. Certamente as perdas serão irreparáveis para as suas famílias. Mas, para mim que ouço o noticiário enquanto tomo o café da manhã o que tantas mortes significam?
Já se disse que a dor só é realmente sentida quando a perda é pessoal. Se morre alguém a quem amamos ou somos muito próximos o fato pesa-nos sobremaneira. Entretanto, tudo isso é inquietante. Veja-se: ficamos alarmados quando recebemos notícia de um acidente aéreo. Cai um Boeing e mais de trezentas pessoas desaparecem. A notícia é divulgada em todo o mundo e há comoção. Especialistas correm ao público para garantir que o transporte aéreo é muito seguro. Você corre mais risco de ser vitimado num acidente de trânsito que em acidentes aéreos. Isso talvez nos sirva de consolo. Mas, o impacto da notícia liga-se à tragédia do acidente. Por que justamente aquelas pessoas estariam naquele voo como se fossem previamente condenadas a um esmo destino fatal? Some-se a isso situações nas quais os desastres aéreos não são esclarecidos. Há alguns anos um avião com mais de trezentas pessoas desapareceu num trajeto pela região da Ásia. Até hoje não se tem notícia sobre como e onde teria desaparecido. Famílias dos passageiros convivem com ausências inexplicáveis.
Os acidentes aéreos com vítimas despertam grande atenção. As milhares de mortes provocadas pelo Covid-19 tornaram-se rotineiras. Não as aceitamos, mas trata-se da contingência de uma epidemia. Sabemos que amanhã, no nosso café, receberemos a notícia de muitas mortes ocorridas no dia anterior. Mortes sem nome, distantes, mas perdas irreparáveis de seres humanos.
A morte nos impressiona quando nos acossa, quando se aproxima. Aí sim, ganha peso, gravidade. Nesta manhã li, no elevador de meu prédio, nota de falecimento de uma senhora, moradora do sexto andar. Eu a conhecia de vista, raras vezes troquei com ela pouquíssimas palavras de simples cortesia. Mas, ela fazia parte do meu mundo, do meu espaço. Pesou-me saber sobre seu velório e horário do enterro. Não a verei mais. Trata-se de uma morte que tem rosto, diferente de tantos desconhecidos trazidos pelas estatísticas.