De prisões e labirintos
Você leu os jornais dos últimos três dias? Caso tenha lido ficou sabendo sobre aquele marinheiro que participou da luta armada contra o regime militar, em 1964. Ele esteve metido nuns assaltos a banco, segundo se diz tudo por ideologia e nada de banditismo. Foi preso, torturado, conseguiu sair da cadeia, arranjou documentos falsos e se mandou para a Inglaterra onde vive até hoje.
Até aí uma história como tantas outras envolvendo extremistas, gente de sangue quente. Pois o marinheiro manteve o nome falso até há cerca de um ano quando resolveu assumir a sua verdadeira identidade: saudades do Brasil. Mas o caso é que nesses quarenta e poucos anos ele esteve escondido, trabalhando é verdade, mas certo de que existiam pessoas em seu encalço daí poder ser preso a qualquer momento.
Agora o marinheiro está velho e quer voltar ao Brasil. O problema é que ele não acredita que as coisas mudaram um pouco por aqui, tem até gente que foi presa pela ditadura recebendo uma boa grana de indenização. Nisso ele não acredita mesmo, de jeito nenhum. E tem certeza de que chegando aqui será imediatamente preso no aeroporto.
As pessoas que conhecem o marinheiro afirmam tratar-se de um curioso caso de homem que parou no tempo e dentro de certa circunstância. Nada aconteceu de verdade a esse homem desde que saiu do Brasil: ele ficou empedrado na irracionalidade do tempo estático e das condições imutáveis. Comparam-no ao tal sargento japonês que ficou escondido numa floresta depois da Segunda Guerra esperando o conflito acabar. Quando foi encontrado haviam se passado 28 anos desde o fim da guerra.
O caso do marinheiro me leva a pensar sobre a natureza das prisões. Existem celas sem paredes, às vezes limitadas apenas pelas fronteiras de países. O marinheiro sobre quem falamos esteve preso na Inglaterra nos últimos quarenta anos. Pagou com juros e correção a sua audácia. Nenhum presídio brasileiro será suficiente para abrigar a enormidade do infortúnio de um homem que na verdade morreu em 1964, mas continua andando por aí, recluso ao seu labirinto mental.
Labirintos estão entre os temas prediletos do escritor Jorge Luis Borges. No livro “O Aleph” ele nos fala, em “Os dois reis e os dois labirintos”, sobre formas diferentes de perder-se em labirintos, muitas vezes sem saída. Num desses, sem portas e paredes, o marinheiro que fugiu do Brasil perdeu-se para sempre.