As muitas faces do ódio
O título parece nome de filme, mas não é. Muitas pessoas que se odeiam convivem diariamente, tantas vezes sem opção de separação.
As histórias são muitas. Conheci um velho senhor que odiava tenazmente a própria mulher, não sei se a recíproca era verdadeira. Segundo ele me disse, seu erro foi não ter tido coragem de separar-se dela quando moço. Estavam velhos, dividindo o espaço de uma casa pequena, cada um com as suas rotas estudadas para não dar de cara com o outro. Não sei que fim levaram. Moravam numa travessa da Av.Brigadeiro Luís Antônio, numa casinha sufocada por prédios altos e cheios de gente. Eram como resquícios de outro tempo, outra cidade, afastados de tudo e consumindo-se no ódio.
O problema da vida é o varejo, o mundo das pequenas coisas que incomodam e se somam lentamente, quase imperceptivelmente até escaparem do controle. É a partir daí que a convivência chega ao patamar de insuportável.
Um cidadão com quem convivi era chefe de uma repartição estatal, lugar onde conheceu uma funcionária subalterna a ele, que seria a sua futura mulher. Amaram-se, casaram-se, tiveram filhos até que um dia deixaram de falar a mesma língua, isso para ficar no mínimo. Mas não se separaram. Depois disso ele passou a perseguir a esposa no trabalho. Fez isso metodicamente, durante anos, até que ambos se aposentaram. Gastaram a vida nisso, para desespero dos filhos que jamais entenderam porque, afinal, os dois viviam juntos.
Eu poderia ficar horas me lembrando de situações nas quais o ódio serviu como mola mestra para o desencadeamento de vidas desgraçadas. Quantos crimes não acontecem como consequência de situações determinadas pelo ódio de uma pessoa a outra?
Pois é justamente em função desse tipo de crimes que resolvi tocar no assunto. Na verdade dois fatos ocorridos no último fim-de-semana chamaram a minha atenção. O primeiro deles foi o caso de uma mulher simples que descobriu que o marido a traía. Sua vingança foi terrível: estava o marido dormindo no sofá quando ela jogou álcool em seu corpo e ateou fogo…
O outro acontecimento é tétrico: não aceitando o filho gerado pela mocinha com quem vive, um rapaz os espancava com frequência. Isso durou até ontem quando o rapaz quebrou o pescoço de seu filho de quatro meses de vida.
Vi na televisão imagens das pessoas envolvidas nos dois casos e não percebi nelas sinais de arrependimento. Pareciam ter resolvido seus problemas a seu modo, ainda que animalescamente. Foram as suas faces que me incomodaram pois as situações que exacerbaram o seu ódio pareciam justificá-las: num caso a traição; noutro a gravidez e o filho indesejados.