Gripe e cigarros
José Simão escreve na “Folha de São Paulo” sobre coisas proibidas. Diz ele:
- Duas coisas que não pode mais: espirrar e fumar! Abre uma clareira em volta!
Dias trás fui a um teatro. No meio da peça, silêncio absoluto, uma mulher espirrou. Foi como se tivessem gritado: bomba! Houve quem se levantasse, muita gente se virou para o lado e o indisfarçável clima de “porque ela não ficou em casa” roubou a atenção até dos atores.
Por falar em teatro, dias atrás o ator Antonio Fagundes declarou que peitaria a lei que proíbe fumar em lugares fechados. O problema é que ele representaria o papel de fumante numa peça e não teria sentido ficar sem a fumaça. Imaginei o ator sendo retirado do palco por secretas da polícia infiltrados na platéia e o escândalo que tudo isso daria. Em tempo as autoridades arranjaram uma brecha na lei contra o fumo: atores em cena podem fumar. Fagundes não será preso.
Hoje de manhã vi pessoas fumando na calçada e achei engraçado. Eram dois homens que evidentemente saíram da firma onde trabalham para fumar. Não pude deixar de pensar nos direitos dos fumantes embora também não ache que seja justo aos que não fumam expor-se à fumaça.
A campanha da lei contra o fumo está pegando duro. Um comercial do governo, veiculado pela televisão, mostra um garçom sendo testado para avaliar o conteúdo de monóxido de carbono em seus pulmões. O teste é realizado em dois momentos: antes de começar a trabalhar e depois de algumas horas de trabalho. O resultado: o conteúdo de monóxido é sete vezes mais alto depois de horas de convívio com clientes que fumam. O popular médico que aplica o teste termina dizendo que não é justo alguém ser submetido a algo prejudicial à saúde; ou diz algo desse gênero.
Deixei de fumar há muitos anos, mas ando pensando em voltar ao vício. É que essa história de abrir clareira em volta não deixa de ser atraente. Olha aí a chance de nos livrarmos de tanta gente incômoda, dos chatos de plantão, daqueles que nos apoquentam. É como se pudéssemos criar uma barreira em nosso entorno e sair por aí protegidos por nuvens de fumaça. Que sabor teriam alguns momentos desérticos em pleno dia, no meio da confusão cotidiana. Seria como criar outra dimensão, algo semelhante ao que se viu no filme Matrix, no qual a personagem Neo circula no meio de gente paralisada e sem ser visto.
Outra saída seria espirrar. Imagine o espirro como arma útil para nos livrarmos de pessoas e situações incômodas. E olhe que para isso não seria preciso um resfriado ou gripe: bastaria reviver o uso do velho e bom rapé, de cuja eficiência em provocar espirros ninguém duvida.
O pânico coletivo pode ser explorado de vários modos. O espectro de utilização do medo aumenta consideravelmente quando as autoridades mostram-se inseguras em suas recomendações à população. Um Estado adota uma medida, outros não; os discursos sobre uma epidemia diferem em muitos detalhes nas esferas estaduais e federais. Resta-nos fazer piada e rir de nós mesmos.